quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

BASTANTES

Está certo falar "bastantes dias"? Bastante coisa aconteceu, foram bastantes dias. Pois aqueles dias me bastaram, cada um deles... Se bem me lembro (não vou pesquisar) esse adjetivo, bastante, formado pelo verbo, bastar, é o verbo na forma "particípio presente". Mas e daí? Acabou a lembrança.
Foram bastantes dias, meus ouvintes, que estão me ouvindo. Cai uma estrela cadente porque estou dizendo: cadê, cadê ela? E então do verbo cadendo, ela despenca.
Uma corrente também, que está correndo é corrente, mas de metal não parece tanto. Um pingente está pingando dos ouvintes como um brinco. Quem está carente está querendo, carinho, ser caro a alguém. E quem está doente? é porque dói.
E o gigante, que vem gigando como um gigabyte? E o barbante, esse barbado se embarbando até virar um fio? Boto um turbante que turva a turba de cabelos com seus panos turbilhantes. Abro o detergente para deterger tudo; pego os ingredientes para ingrediar minha comida; tem muita gente vindo, muita gente vinte, muito vinte gendo! Vai ser gigante. Inocente, estou sem noção nenhuma.
O batente é onde bate a porta, e elefante é quem elefa, quem está elefando como uma elevação com farofa nos dentes (que estão dendo). Pergunta: quê? é estar quendo tanto que fica quente. Passou rente quem dá ré, saliente quem tem sal. Eficio tanto que sou eficiente, suficio também, e derrepentando tanto que estou pente, deceio, receio, indeceio, preseio a ponto de dizer é, é, estou endo!
Bastantes coisas, bastantes particípios presentes.

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e a estante?

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

O QUE SÃO, AFINAL, AS MAÇÃS?

Na minha opinião, o ditado inglês "an apple a day keeps the doctor away" é um grandíssimo exagero. Não deveria variar as frutas, para ter saúde? E aliás vem cá, não sou nenhum médico, mas não sei se está tão certo mantê-los longe. Diz outro ditado: mantenha amigos perto, e inimigos mais ainda (mas agora pensando, ESSE sim é um ditado bem estranho). Fica de qualquer forma a dúvida, o que é essa maçã que vai, cada dia, nos afastar da medicina?
Na verdade as maçãs, de um ponto de vista geral, na língua, são um conceito bem plástico (ainda que a fruta seja bem sólida). Não acho que minhas bochechas sejam maçãs no rosto, e se Adão comeu uma maçã, por que dizer "pomo" do meu gogó? Ficar transitando nas línguas é de deixar vesgo, pois tradução-tradição-traição-translação (dizem) são todas a mesma palavra, só mudando letrinhas: põe um bigodinho e a gente finge que não reconhece. Assim no fundo (na ante-língua do subconsciente) maçãs são pomos, e algo que estufa nosso rosto, mantendo longe (ou perto) o doutor - todo dia.
Daí no francês batatas são "pommes de terre", isto é, pomos (maçãs) da terra. Cara, não acho que tenha nada a ver. Batata é, pra resumir, algo que se come salgado. Talvez se eu botar sal na maçã... mas aí o doutor vai acabar se aproximando. Melhor frisar que é "a SWEET apple a day"... Enfim maçã, então, um comestível qualquer, até debaixo da terra.
E as outras frutas? Ainda no inglês, Pineapple = abacaxi, a maçã do pinho. Muita forçação. Assim tudo que é levemente, ou mesmo forçadamente, redondo - como um abacaxi é redondo? - agora é maçã? Não entendo o critério. Pinha pontuda - macia, comestível: maçã.
Poderia divagar nas referências folclóricas: a maçã para a professora, a que Branca de Neve comeu, a do amor na festa junina (realmente doce). Francamente, eu até acho saborosa uma boa maçã (não lembro se Fuji ou Gala, uma grandinha não muito encerada) suculenta, mas - admito - não curto tanto não. Comida pra quem está passando mal, sem casca, em raspinhas... Certamente não é ESSE o fruto do pecado (que é muito mais uma manga, rosa ou carlotinha, algo entre as duas). Tem gente que diz que o fruto do paraíso era uma romã - acho que é só pela estética daqueles caroços vermelhos. Será, em tudo, simplesmente a cor vermelha que fascina? Aliás romã em inglês pomegranate, pomo granada (de novo a maçã, agora explodindo em carocinhos).
E aquela história das macieiras serem sempre a mesma planta? Numa plantação, as novas macieiras não são filhas da planta anterior, são a própria macieira anterior, reproduzida pelos galhos. A mesma planta ramificada em uma escala impossível, todas com o mesmo DNA - isso me dá arrepios. Quando justo uma maçã caiu na cabeça do Isaac Newton, pera lá! Não confio para nada naquele ocultista perigoso. "Mas não vá comparar laranjas com maçãs"... Boas no suco verde, para adoçar, maçãs (boas nas tortas) para afastar a medicina só tendo algum mistério. Maçã: a mulher de quem? Nem uma palavra mais, prefiro banana.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

DAR BOM DIA APÓS A MEIA-NOITE

A civilização humana encontra-se à beira do colapso. A aurora das máquinas e do tempo moderno nos separou da natureza... O relógio vira os números em zero-zero, o ponteiro inclina-se em riste para o alto, o cuco badala em algum apartamento perdido: meia-noite. E a partir dessa hora, no escuro do breu, ouve-se, em resposta a um tímido e fraternal boa-noite, em um tom de correção severa: bom dia.
Estapafúrdio desejo de dar bom dia apressadinho, quase um desafio moral: já iniciei o dia, e vocês, ainda dormindo, ainda flertando com a cama. Eu, já de pé, trabalhando: bom dia.
E 12 horas depois, o relógio inteiro se girou, os ponteiros alçam-se novamente ao alto enquanto números mudam de am para pm: boa tarde?
É o caralho, darei bom dia o dia inteiro. E se sentir escuro darei boa-noite, essa é minha política naturalista.
E por acaso os dias não incluem a noite? "Naquele dia, à noite..." então vou dar bom dia o dia inteiro, 24 horas de bom-dia ininterrupto, misturando-me aos moralistas da madrugada estarei varando bom-dias mas num dia único: numa terra que não gira, meu cumprimento ergue-se ao sol e nele fica, minha língua solar, bom dia!
Como dizer "hoje" após a meia-noite e ficar sem saber de quando se fala, ou pior ainda "amanhã": acabe-se, língua! Quero apenas a luz como marco do tempo. Limbo ao calendário, não vou nem falar em horário de verão. Sentir o tempo na pele queimando sol.
Nunca escrevi cartas a papel (que eu me lembre, talvez os adultos mo tenham forçado na infância ignota) então por mim o bucólico é mandar emails, que inicio, romântico: "bom dia..." "boa tarde..." segundo a hora que escrevo. Mesmo que só vão me ler à alvorada, ou dez dias (e noites) depois: "Bom dia, favor não enviar SPAM, grato". Boa tarde.
Mal dia, bom dia, médio dia e tarde noite madrugada alvorecer mormaço breu, o céu cheio de cores e eu só ligado num interruptor. Que sono, que importam os extremos das 12 horas se neles durmo como um rochedo ou almoço copiosamente a ponto de perder-me do tempo, orgias soníferas e gulosas no alto do ponteiro: eis-me aqui em paz, finalmente, com o sol.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

BISCOITO OU BOLACHA?

Revisitando a eterna polêmica, dei por mim questionando os fundamentos técnicos do debate. Quem anda pelas ruas de Atenas há de comprar numa lojinha um μπισκότο, o mpiskóto que traz esse argumento (chiquérrimo) da origem grega. Biscoito: do grego, Biscoito!
Olhando mais de perto, que charlatanice, pois os radicais não são gregos, são latinos: bis (duplo) coito (cozimento) é o "bicozido". Agora em vez de adentrarmos em detalhes de fabricação, vamos admirar só isto: que seja uma palavra, biscoito, que anuncia seu processo de fabricação. Não são muitas que fazem isso! Como comer um assado, ou um cozido; ou tomar uma batida, vestir um tecido; comer uma torrada, um biscoito. Haverá outras? Que beleza essa língua, que beleza de lógica...
E a bolacha? Ignorando raízes latinas, e toda etimologia empoeirada, a bolacha, palavra genuinamente autóctone, brasileira! Sem significado algum, pura poesia do inconsciente coletivo, da deriva da língua... Ou será que não? Terá ela, sim, um parentesco com o bolo? Como a bombacha do gaúcho, para a bomba com que ele suga o mate; está a bolacha do paulista, para o bolo de padaria...
Bolacha, um bolo com chá no fim. Ou uma bola? Que é essa raiz da bola, toda embolada, bololô que se atira feito boliche na nossa língua, embolachando nas bochechas? Como a borracha para a borra, a bolacha! Como o cochicho para o cocho, a bolacha! A galocha para o galo, a bolacha!
Voltamos ao bicozido, pensando se não cozeram (costuraram?) demais nossos miolos (já não damos trato às bolas) - não seria melhor parar mais cedo, e tirar ele al dente? E agora vem cá, biscoito não é cozido, é assado! Já sei, é porque é na cozinha, mas então vamos falar às claras: coito é de fuder, se eu cozinho eu não lavo; biscoito, e o que será o coitado, senão o objeto do coito?
Mas ora bolas e bolachas, tanta etimologia lorota, já chega desses argumentos! O bom mesmo é chiar o S fazendo BIS BIS como BISTECA, BISNAGUINHA. Convenhamos, a língua é toda pelo gosto - que não se discute, velha questão do saber-sabor. BISBILHOTAR, BISTURI, BISAVÓ... e então caramba, bisavó é a bi-avó (embora seja só 1,5 x avó) e sabemos que trisavó é uma tolice, pois o certo é TATARAVÓ, e agora cremos, definitivamente, ter biscoitado nosso cérebo, ou melhor, tataracoito ele. Tomar no cookie; brigar biscoito por bolacha só podia dar em baixaria.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Estou um caco. Fico repassando na cabeça coisinhas que eu poderia fazer, para sair dessa sensação. Fazer a minha série de ioga, me alongar. Dar um pulo na praia (está sol - não tenho tempo). Escrever pensamentos no caderninho, descrever o que está tendo esses dias. Escrever no Albatroz, no teclado, um texto longo (foi a receita que me dei, uns dias atrás, voltar ao ritmo semanal de ordenha). Ligar pra alguém, ou mandar áudios: e fico listando quem poderia ser, e imaginando a conversa (imagino voltar à análise, imagino cumprir minha listinha de tarefas, imagino seguir lendo a ilíada, imagino que não lembro mais como relaxo). "O que eu faço?" eu perguntava à minha mãe, entediado, quando era criança.
Fiquei tentando meditar agora, foi bom. Mas não tira a sensação de pressão no corpo. Claro que existe pior... Só que tem um desgaste, um prolongamento desgastante aí... Tem que não sei onde estou indo, dá uma sensação perdida, andando no escuro, sem mapa... Sensação de não estar andando, de estar afundando por burrice minha. Jogando tempo fora, desperdiçando meus dias. Não estar realmente presente em lugar algum. Tantos projetos, nenhum projeto. Seguindo ao sabor da maré. Horizonte curtíssimo embrulhado nas demandas mais detalhistas do que tem pra fazer hoje. E inda tem essa questão de doutorado, de orfandade acadêmica, de dúvida sobre toda a base teórica em jogo, e o artigo que fico escrevendo nas horas vagas é tão extremo nesse flerte com o niilismo, me aflige com sua ameaça total. E fico tentando laboriá-lo, resolver minhas preocupações pelo aprofundamento analítico delas, pelo mapeamento da questão. Se eu tivesse um mapa! E quando levanto os olhos do papel, estou em casa, passei 15 minutos afastado e já estou culpado, a alma dividida em um dever meio vago, onipresente e extremamente ocioso, mas que não solta. Sigo tentando manter a moral, a gincana de médicos, a insistência nessa amamentação sofrida e tão tão espaçosa. Esse bebê tão espaçoso. Essa noite dormiu em cima de mim, por uma boa uma hora, e eu pensando que quando tiver maior, ainda vai dar, mas quando estiver maior ainda, vou ter saudade. Ontem tentando extrair o máximo de malhação da aula de pilates, para aguentar esse tranco. Dias intensos, como sempre digo, e cada vez sinto isso, muito. Dias intensos.

domingo, 8 de outubro de 2023

Super-pranchinha chega voando nos braços de mamãe. Ergue os bracinhos e bate as perninhas, escalando o ar enquanto cabeceia meio sorridente (sem dente). Boquinha Júnior, Zé Boquildo da Silveira, a boca forma um triângulo de sorriso lento e meio estático, os seus olhinhos apertados e as bochechas levantadas durinhas (meu carequinha, barbudinho, orelhudo brabo brabo brabo) descobrindo uma sensação nova, acho eu (a alegria, venha conhecer, filho, a sensação de estar tudo bem e rir) venha conhecer a vida... eu digo que ela é gostosa-a...
Ela quem? no nosso quarto reina o império do silêncio, o leito na entreluz e o calor guardado / ventilado, penumbra e uma atenção difusa ao ritmo dos sons no ambiente, e por que? porque sonhos e o revigoramento de deitar-se à terra, horizontal horizonte
Estou no escritório, Boquinha está na rede (viciado)(provavelmente regendo uma orquestra: está acordado)(tomara que não queria mais leite ainda, já tive que voltar 2 vezes, assistindo seus arrotos enquanto leio uma história em quadrinho japonesa (um manga ao mesmo tempo burro e tosco mas dá vontade de ler até o final (mesmo que pulando várias páginas, enfim, uma história de menino sem mulheres... curiosa literatura para esse momento (o que é ter um filho? o que é o corpo e a saúde dos nossos ritmos inspirados a cada folego de vida, o tempo passa de uma maneira não-linear, abandonem as linhas, chegadas as pulsações da maré (como rédeas, ou cordames do navio, o timão, o leme... o ralo onde conflui um espaço (a europa e seus muitos portinhos) a ideia de chave, pura e simplesmente: uma chave de metal, e suas cópias (e as fechaduras travadas, abertas ou fechadas)

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talvez a teogonia esteja errada, e o homem seja cronos, o tempo, antes de ser zeus, o imperio (lembram do tempo ANTES de zeus tomar o poder? dos titãs PRÉPOLÍTICOS (invocação de um direito natural anterior à pólis, direito natural econômico no sentido do lar ampliado de cada corpo, direito materialista-matriz mutterrecht ou simplesmente patrimonial-patrilinear-patrístico, uma unidade oicos como invocava XENOFONTE (não em sua subida mas em sua casa)
se querem falar de gaia, falem do céu OURANOS e seus METEORO-loggias.. se querem falar de gaia onde o CÉU enterrava seus filhos, até que o TEMPO os libertou a todos... mas o TEMPO resolveu comer todos os filhos que nasciam, até que foi enganado para engolir uma montanha, e ZEUS (o império)(o planeta júpiter, dentre os 5 "meteoros" (astros moventes) visíveis no céu (que fascinante é então um cometa, sendo um planeta mais distante)
talvez devessemos sair do império, não pelo império do céu, mas pela volta do TEMPO a exibir algum reino... (que lições fascinantes na cosmologia grego-gregária de nós, filhos da torvelinha)

domingo, 1 de outubro de 2023

Jipsi, o alienígena, abriu a porta da espaçonave com seu jingado de velho aventureiro. Era cedo, para a hora estelar de sua rotina, o computador de bordo o saudara com cápsulas de café da manhã cinza. O patinete hiperbólico estava quebrado, pelo que Jipsi utilizava hoje botas de Nêutron reguladas para máxima beatitude.
De uma garagem abandonada subiu um ronco surdo, Jipsi sobressaltado: será o meu inimigo-arquimedes o vilão: Dênis a criação do pesadelo? O próprio ele-ruim a Bominação?
Entre estas vírgulas centelhando suas pálpebras ríspidas, o céu dobrou-se em outo. Vêniddom, a anaconda escarlate, esgueirava-se por detrás do bosque de amoedos. Manhuras, de entre o lixo, suas falanges pingavam veneno, a ponta de bronze, o escarlate vívido.
Jipsi Jipsi...

sábado, 30 de setembro de 2023

tentar escrever com olhos fechados o mais rapido como um albatroz voa longo no azul do ceu nao parar de escrever as nuvens ao meu lado o som das asas na musica o som do sim o som etcetera as reticencias se ralentam enquanto pego o ritmo do coracao da respiracao da cadencia das palavras ........ o homem rato estava jogado no teto pendurado como goteira de ponta cabeça, o lustre da sala de cristais pendurados como contas estava saindo do seu "chão" como uma fonte d'água cristalizada de luz e o homem rato guinchava "levem tudo! não há viva alma em Orango D'Orcia que saiba o significado das dores penduradas como peles de rato nos longos halls de WIndsor & Co." eis que a cortina caiu sobre o mastro do navio como um Trafalgar Square o abismo IMPLODE em cena rebentando a fonte chafariz de vidro jorra sangue desabando o teto para cima como um vulcão espelho céu no sangue , o homem rato guinchava "hipnoticamente, o tilintar de seus narizes, a ruiva do lago Nero, eu me chamo avô e ... Biga-mãe" Ora ora ora quem vem lá por estas bandas, se não é o já velho conhecido, sim, o mesmo ele, o hipnóti-coito... Silêncio.... 

domingo, 24 de setembro de 2023

é uma crítica da representação. não existe representação: existe existem sombras e existe o próprio mundo em meio delas (e existe a dúvida se vemos bem, e existe esta crítica, que é uma invocação do olhar para o mundo: ei-lo
não há representação.
- que invoca um princípio de diálogo dificílimo com a organização moderna das ciências físicas (e química, biologia, astronomia) que se baseiam em saltos de representação, de que não retornam. o raciocínio é feito por analogias, partindo de alguma evidência direta do mundo, e então a tradução se interrompe, e ficamos apenas num mundo de fábula mal explicado, em que navegamos com dificuldade. invocar a reescritura dos achados científicos em uma linguagem que mantenha permanente a evidência, o fenômeno em si, diante dos nossos olhos, na nossa escala, para a nossa vivência. nunca "sair" de nossa presença, em sua demonstração do que fala. flagrá-la, a ciência inteira: qual o seu corpo exato, e sem fantasias.
- eis que esse é um princípio absolutamente corruptor de todo nosso edifício científico, e é um impropério eu propor essas coisas. nós, que acreditamos vivamente que vivemos no mundo da representação - que os fantasmas do espelho, que as sombras dos símbolos, que o significado oculto reina por trás de nossas orelhas, enquanto dormimos - nós que confundimos tanto o que é real e o que são, enfim, sombras, reflexos ou a cauda, a barriga, o âmago do real, a chama da fogueira e sua atração luminosa para nosso olhar, o real, o sol reina real sobre o dia tão real que nem podemos olhá-lo e já sabemos que é o mais real, ele, que chega se anunciando, ele, que reina (e assim inicia o poema de nossa nova física

sábado, 23 de setembro de 2023

adoro a letra a
é meu nome (e sobrenome)
e no entanto sou homem
(é o meu nome)
andre (e andrea, a coragem do coração corando)
adoro-a
odara-o
o-aroda a-orado
ada-ada
oro-oro

- à dora 
que gostoso vê-lo aprendendo
introduzir algo, um dia,
reafirmar toda vez que ele se fizer uma pergunta
sempre acalmando ele muito, não deixando chorar
mas insistindo no mesmo gesto
(e passando, eu mesmo, por um esforço. ele percebe isso
que eu não cheguei e simplesmente larguei as coisas apressado. que estou ali para passar as noites virando com ele)
e a cada mamada perguntar à mãe
como está sendo, se está confiante, como está evoluindo
e a dúvida permanente, de se o novo método
vai trazer algo de positivo, realmente
a questão acho que foi admitir a intromissão de outro aleitador. a translactação ainda obrigava a ser aleitada no peito da mãe. a mamadeira inaugura a independência. mas que também é povoada por mil derivações da independência: o copo (engoli-lo de gut-gut, ou esticando a língua feito um cachorrinho - e toda a gestuália intermediária que envolve os lábios superiores) a colher dosadora (engoli-la encaixando no fundo da boca, ele aprendeu em 2 horas a já formar de maneira estável os lábios em concha para recebê-la)(ou utilisá-la como colher, de que ele lambe)
pois decidido o desafio da nova forma (a língua esticando) estamos experimentando toda a gama de ginásticas línguo-labiais-bucais-eoquemais
interessante repertório de relações que o bebê experimenta, envolvendo outro aleitador que o corrige, que o educa
como em Carneiro Leão : educar é da raiz de eduzir
conduzir o bebé
realmente, nessa vida conturbadíssima
que padrões eu posso exigir dele?
melhor fazê-lo surfar (nosso surfistinha de óculos escuros tomando fototerapia) as ondas intensas que são (o simples passar dos dias, das horas, como a vida é intensa)

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

o que você precisa descobrir
cidade negra
ta-dan
tarararara
na verdade era
o -invada sua casa coração-
please dont stop me now
tarefa do dia:
arrumar as plantas para que eu páre de chutá-las enquanto me embalo na rede
a rede. a grande máquina de conforto
a chave phillips diante do parafuso
aparafusadeira elétrica (diabos, perdi meu kit de chavinhas)
-ou os abutres roubaram-
há coisas que é melhor não mencionar
pois afirmamos algo
não afirmamos o contrário disso
se não afirmamos, não impostamos isso. não é graças a nós que isso está posto
depois de posto, objeto
ob-jektum (jogar sobre)
(vs. jogar pordebaixo o sujeito substantivo assunto da questão
tarefa número 2: o que é o dinheiro? doá-lo? torrar as poupanças?
-imensa fogueira potlatch da despesa global-
-a macro despesa do ciclo do sol-
de volta à cigarra e à formiga
era sempre sobre o verão e o sol
hélio hílio hyperiom
elã ela ele o gás nobre a letra L de luz cercada de éter e da altura do céu e das núvens Superiores (o que está no alto)
o Astro-Rei da astronomia
e a economia não é apenas um sub-ramo da astronomia? da geonomia (a ciência impossível)

- discordo: como dizia newton, as leis da terra imperam nos céus. o que está no alto é como o que está aqui, embaixo: não há nada lá em cima, newton ensimesmado em seus espelhos e máquinas 

sábado, 19 de agosto de 2023

- Meu amor, você viu a fralda?
- Só Xixizão, mais uma vez.
- Já faz 48hs que é só xixizão. Ai meu deus... O que ele estará preparando?
- Amor? Vamos comer mais mamão? Tô brincando...
- Será que mantemos a fralda de pano? Ou esperamos isso "acontecer"?
- Ainda não entendi em que lixeira vai a fralda de pano usada?
- Cuidado que pode sair um jato! Existe manusear bebê de várias formas, mas também tem a modalidade que é isso acontecer com ele cagando. Dito isto, elogiemos os "quadrados de algodão". Que tecnologia finíssima.
- Garrafa térmica para ter água morna em sua bundinha...
- Em um pratinho de cerâmica! As fraldas de pano são lindas
- Ele fica parecendo uma "coxinha"!!!! Redondinho embaixo
- Isso foi um arroto?
- Odiei aquele vídeo do "o que fazer se ele estiver engasgando". Melhor ele não engasgar
- E a enfermeira que falou que você não pode dormir, a qualquer barulho dele ele pode estar engasgando? Que sempre tem que ter luz acesa pra poder ficar verificando?
- Ah... Isso era só no início... ?? Não vamos entrar nessa não
- Tenho pensado que a grande questão é ter um sistema de sono que não envolva contato físico direto: uma rede, que eu balance sem estar dentro dela...
- Mas ele é tão pequeno!!!
- Em que velocidade isso cresce? Planilhas de fraldas cuecas e meias...
- Amor, precisamos de uma máquina de lavar nova?
- Querida para mim bastam os 3 varais. Isso é genial, mesmo.
- Ok agora enche a minha garrafa, preciso beber 4 litros de água!!
- Amanhã vai fazer sol!!! Vamos tomar!!!!

terça-feira, 15 de agosto de 2023

a mamada é um beijinho
nós ficamos dando mamadinhas
o músculo da sucção
da língua
como uma galinha ciscando milho
meu filho acha que está caindo
estica suas mãos ao contrário
como reflexos
o gatinho que esperneia bombeando as tetas da mãe
lobas de 6 tetas, 8
e os lobinhos pendurados
seus olhares de repente. de olhos muito arregalados, contrações aleatórias no rosto gerando expressões faciais fortíssimas
cabecinha pequena,
de pescocinho bambo

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

coisas dessa vida de pai

Fiquei 5 dias seguidos com a mesma roupa. No meio tempo o pessoal trouxe várias outras mudas de roupas: para o bebê, montes, e até algumas para a mãe, e meias. Eu pedi meias, especificamente: e me trouxeram meias de bebê. ah, você existe? verdade que eu também me esquecia de me incluir nas listas...
A crítica usual ao pai na maternidade é uma em que mantenho a atenção em mim, sem dar atenção a elas (mulher, criança). Não é muito comum retratarem a cena "anterior": a cena em que eu pai não sou nem subjugado; sou esquecido - em uma cena absolutamente centrada nelas.
Vou contar de mim, pai, também porque sinto meu ego ferido ao simplesmente não fazer parte da história. Ser inútil.
Constantemente eu era esquecido no hospital. Hoje esqueceram meu almoço. Chegou 2hs depois de telefonarmos.
Quando desci para ir ao cartório, na volta fui barrado pelo segurança e obrigado a me identificar na recepção, pegando uma fila. Sendo que eu acabava de ter passado por ele.
Logo em seguida, no final da fila da recepção, cheguei falando "meu FILHO está aí" e responderam "qual o nome da mãe" "W" "e você é quem" e realmente, que energúmeno eu era de achar que deveria ser reconhecido como pai (o nome da criança no sistema é "RN de W").
(Enquanto isso, a mãe estava de pulseira, fortemente controlada no mundo do plano de saúde, acho que nem podia sair sem que fosse dada alta. Houve um pequeno ritualzinho ao final, em que lhe cortaram a pulseira).
Eu fiquei muito puto com esse episódio de me barrarem (depois aconteceu de novo), porque na verdade ele era o topo de um iceberg de cenas que aconteciam.
Ser realmente inútil em uma mundo das mulheres. Nessa peça, poderia ser qualquer pessoa na minha posição. Não importava a minha posição. Realmente, importava a bebê
e importava a mãe já que ela é essencial para a bebê
e importavam as enfermeiras e médicas que debatem e ensinam e conduzem e fazem isso, e os médicos que se inserem nessas maternidades de mulheres e cuidados dos novos seres, cuidados domésticos
Mães no centro. Não estão em oposição a pais. Existem, antes dos homens. Os homens não estão nem muito bem definidos: algumas bebês têm piru, algumas crianças, algumas pessoas, qualquer coisa pode ser o pai; afinal no processo todo o homem só existe "especificamente" pela sua faísca; no resto ele não está nem de longe no centro das atenções; ele é esquecido; ele nem é muito bem definido: é qualquer coisa que vinha flutuando por ali, o mulher na munda de mulheres? pau duro na massa de mãos-mães-irmãos-irmães mulheres-milharal-mil-molho de mulheres)
Questões de gênero. Ou da gênera feminina. Acho também por isso usar gênero neutra, não acha?
(O grande debate da decisão do sobrenome afinal. O nome é fácil: é qualquer coisa. O sobrenome é uma grande decisão de cercas entre famílias, e projeções das filiações dos pais.)
As refeições dela, eu tinha também direito, mas ela tinha ainda "colação" após o café da manhã (davam muito café e açúcar, por alguma razão? e laticínias) e lanchinho da tarde e até mesmo chá noturno; eu passava fome, mas minha família nos encheu de lanches
Em todo o fuzuê agora em torno da mamada, da lactação, do aleitamento, da amamentação, da sucção da chupada do leite do seio do peito da auréola do bico... e eu não sou nada, não sei nem tocar direito naquilo, nem fui convidado...
Eu mesmo, que no direito materno sou definido pela presença constante doravante... Que no direito paterno sou uma espécie de dono, proprietário.
Ao menos a posição no parto - em que eu fiquei atrás dela, e ela se apoiava em mim entre as contrações, antes de me abandonar no momento final, em que estava concentrada no que estava à sua frente, ou embaixo; o que vinha à luz de entre sua dor e seu corpo baixo, sua sentada espreguiçada de dor cólica, força espremida - ao menos essa posição (em meio à sangueira - de que normalmente desmaio, mas ali isso foi por demais banalizado; e de sua buceta saem flocos de pele e sangue coagulado, ou coisas densas como um fígado mas que se desfaz antes da loucura que é a placenta (a árvore da vida, em que o fruto é a bebê - a placenta (que eu plantei? em uma pré-menstruação dela? com o pólen que trouxe da árvore de minha mãe?) a placenta de chumações de sangue cujo tronco está esticado como uma bolsa de saco plástico com seu líquido amniótico onde a bebê flutua com sua pele mergulhada no líquido (a bebê não respira, seus pulmões são colapsados; o grosso e veiudo cordão umbilical (da grossura quase de um de seus braços) que lhe fornecia ar ao nosso peixe de aquário) bebê coberta de uma gordurinha branca vérnix... placenta banhada pelo sangue venoso, diastólico do contraponto da pressão, com menos oxigênio e hemáceas de feto - as quais ele tem de trocar em poucos dias após nascido, transfusionando todo seu sangue de bilirrubina em hemácias de ser que respira - e assim praticamente "trocando de sangue" na primeira semana (a falha desse transfusionamento é a icterícia cujo combate requer a sol, o luz)...
- Ao menos nessa posição de parto dela eu "tinha" uma posição (ao contrário da de 4 apoios, ou deitada de barriga para cima - nesse cócoras haviam se lembrado de me incluir no ritual; atrás dela onde eu não atrapalhasse (apenas lhe apoiasse o entregar-se, lhe soprasse palavras); enquanto nas outras eu era simplesmente esquecido; um saco de lixo; um trapo, um obstáculo na cena: que não sabe fazer nada, que não sabe especificamente bem motivar ninguém naquele contexto, que não sabe meter a mão
Houve um grande debate entre médicos sobre a minha tentativa de ser ela a primeira a ir para casa. Minha irmã que me aconselhou ceder (a médica defendeu que W fosse para casa, a enfermeira não se posicionou abertamente, mas o médico que trata do garoto (o pediatra, um pai - mas poderia ser a pediatra, uma mãe)(como poderia ser o médico obstetra, o enfermeiro obstétrico, o masculino da obstetriz, o masculino da parturiente, o mãe... será?) esse médico me deu uma esculachada, que eu estava querendo "sofrer por ela" enquanto ela que tinha que encarar: que a gravidez não é fácil mas ela é guerreira e vai enfrentar a parada - que aliás não voltar logo pra casa não é a cena horrível que eu ficava pintando, tentando aumentar meu valor - eu que claramente estava me forçando e deveria sair para descansar, e dar uma volta - eu que estava "competindo" com ela sobre quem era mais bravo - tentando, finalmente, chamar a atenção para mim
Sim, (reflito agora, em meio à tessitura de chumações dessas faíscas lembranças fritando na língua) eu tenho que voltar à posição em que não carregava tanto as malas para ela: porque desde a gravidez, ela foi se tornando mais passiva enquanto tudo eu acionava... Até que agora, é tudo sobre ela e sua fúria de hormônias e a bebê gritando; e toda a revolução do lar (da lar) no império de sua majestade, a bebê

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Versão 34: nota sobre a introdução.

Este livro se ergue contra o Jeroglifo Monádico de John Dee. Aquele livro define a oposição principal (a primeira, de onde derivarão todas as outras figuras) como a do círculo e da reta. E a partir daí, dominando tanto o círculo como a reta, parte a abordar os diversos casos das duas posições: uma arquitetura de conceitos que recobriria o mundo, em suas oposições principais. Calibrar todo dualismo, inseri-lo no mega-esquema balanceado e dinâmico.
Mas no nosso livro, neste livro de que estamos tratando, a autoria se desvencilha dessa tradição dos imperadores britânicos. A oposição dos dois termos - círculo e reta - não é o maior mistério. O maior mistério pode ser a própria reta, irreal, ante o círculo, orgânico - e daí a entrarmos falando das retas e do mundo abstrato que toma metade do real. Teríamos o vácuo da matemática reta ocupando metade da oposição principal.
Mas neste livro não, desvencilhado do jogo de poder que a posição geômetra faz, com suas retas e maquetes, miniaturas do mundo, retas de arquitetos traçando planos mentais...
Essa autoria enxerga o mistério anterior à reta, que é o do próprio círculo em si. O próprio círculo já contém o dualismo, não precisa da reta. No mais, as retas não existem: o mundo é curvo. Não, a oposição primeira não é do real com o abstrato: é de duas facetas do real: o real existe em colisão de dois princípios materiais. Todo círculo possui uma cerca redonda, mas essa cerca também define um centro. E o centro da própria cerca é a abertura, o olho, a tradução do dentro do fora, atravessar a porta. O círculo impõe já desde antes, tão-somente por existir, um dualismo poderoso. Centro e Cerca, cetro e... tamanhos, corpos, a extensão de um perímetro: uma área, um volume no espaço, um sólido, uma presença possivelmente imensa.
O conceito mais simples de se ver é então C, o conceito. E o livro opta por iniciar pela letra C.
A hipótese do livro é então apresentada: dentro da letra C vigoram os dois princípios M e P que fundam a manifestação dos dois pólos de C: o centro (a boca, o cu, o sol, o olho, a porta, o interruptor na parede, o caminho correto) e a cerca (toda a pele do corpo)
Um pólo acertado então entre a operação de R (nos centros) e T (na cerca, nos tecidos em que R impera, ligando com sua linha entre centros-furos).
Estas são as letras terrenas, que pulsam em C, antes mesmo de se colocar a questão da reta. "Antes", pois num sentido originário, "Fundamentalmente", "Empiricamente", "Diretamente". Sem a abstração, já há essas letras: c e C (P e M) R e T
Para chegar na questão da reta, da Linha da Luz, do que vem do alto, aLTo. O "em cima", essa noção espacial autoevidente para um ser que caminha sobre T, a terra... O vácuo do céu, seu abismo. Para chegar em L, só a vemos através de F, o forro limitante da finitude, e que se expressa em L ser um efeito expresso em F, impresso em F, a ponto de L tornar-se uma miragem fantasmagórica. E o materialismo toca no imaterial. Toda a roupa que o imaterial veste...
Eis o segundo postulado, após a hipótese M e P pulsando em C.
Que L vem do inalcançável, justamente, vem do além de F a nossa forma humana. Que L é por definição inalcançável: é o mistério, as deuses.
E mesmo tendo dito isso, o livro propõe exatamente isto: cobrir de F o caminho de L, ocupar a língua perfeita, ser o sol com os olhos, subir às alturas materialistas construindo a Babel Verdadeira: a cidade-biblioteca da língua vestida, encarnada pelo povo que aprende a se comunicar com a língua verdadeira: peças de letra que se encaixam formando uma vacina contra toda leitura mitológica: análise combinatória de letras. Com minhas letras, jogo com 7 conceitos cujo eixo é C e os pólos P e M ressoam por toda a estrutura, ecoando ao redor de C como R em T, ecoando em L sobre T, ecoando em L sob F, ecoando em C em T...

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nosso mundo atual é fundado na representação valendo pelo real. A maquete, o modelo, a ideia - essa versão decalcada, essa sombra vodu, alavanca de arquimedes, MINIATURA que contém tudo que a versão empírica, direta, possui de estrutura e sentido, deixando de lado apenas o ruído, o preenchimento, a segunda metade de amorfo e irracional... como se se pudesse fazer essa separação, quantos % é de cada lado!

este bibelô de 7 letras, então - o livro que estamos lendo - pode servir a categorizar toda mitologia e todo dogma, toda verdade científica: é uma máquina de dissecar em 7 elementos extremamente polarizados e estruturados, em dinâmica que expressa o real
mas será este o seu uso?
discutir cosmogonia, e mais e mais princípios de pensamento (a morte do autor, a matrilinearidade jorrando)

domingo, 2 de abril de 2023

límpida leve límpida leve límpida leve desenho desenho risco risco risco bom bom bom bom o bê já sorrindo. Do que está rindo? eu estou sorrindo. Sorriso. Lua lua lua lua está cheia como um pneu cheio. Chuá chuá faz a cachoeira chuá chuá faz a cachoeira será? será que será? Ou... sessessesserrote. Abstruso digo absurdo. Tão bom ouvir tocar o piano - Dedos dedos dedos dédalus dédalo

sexta-feira, 10 de março de 2023

Mas qual o sentido disso tudo?

Não é sobre sentido, o sentido por detrás é descolado da matéria, é decolar. Queremos a matéria, o materialismo/matrialismo. Ficar apenas no concreto, como um texto sem objetivo. Não atravessar. Fazer frases inúteis, que se interrompem.
Achar que a língua é muito simples, é como uma matemática de letras, queremos voltar a uma língua mais simples.
Simplesmente aqui, há a materialidade de conter, de prender algo. Pense no gesto com as mãos, de conter. E soltar, liberar. Esta é a letra C. A matéria se dá em corpos. Descrevê-la, a matéria, a língua, em sua obviedade. A letra M leva à letra C.
Há a emissão de uma coisa, lançar, um corpo que expulsa outro, seja um parto seja um pai. A letra P. E a conexão entre corpos, um fio, um cordão umbilical. Um canal de M. Ambos fios, Ps e Ms entre os corpos, formam a letra R em suas ramificações.
Há um chão sob tudo isso, que o chão é muito concreto, muito presente. A letra T.
E eu, meu corpo (e o seu) tem um alcance, até onde a vista alcança, até onde chego, de até onde recolho. Seja um limite, uma borda externa. Ou minhas terminações difusas, quando o corpo se dissipa em dedos, em cabelos. Meu tamanho, esse corpo, o tamanho de cada corpo da matéria. É apenas um tamanho, em meio à escala, à multiplicidade que apaga a individualidade P em uma massa M. É a letra F.
Ver isso não só como um gigante, mas também como um grão de poeira. O tamanho, o alcance, a escala tem uma presença material impressionante. Quem é mais alto. Uma hierarquia de R. É a letra L.
Há um dentro e um fora, e a divisória... e vamos construindo assim, e nesse caminho vamos encontrando muito do que chamávamos de SENTIDO anteriormente. Mas não precisamos sair da matéria para encontrá-lo, pois ele mesmo é material - não está atrás, é ela própria: a matéria é o sentido dela mesma. A língua é a matéria, são palavras mágicas antigas, que esquecemos. Ao colar a sombra no corpo, retomar a matéria. Retomar a letra T: o nosso tamanho correto, que se perdeu nas alturas da letra L. Nada há na mente transcendente, somente o aqui e agora existem: e dentro deles, tudo. Eis o mundo.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Neste país que era uma pedra em meio ao deserto, e um céu escuro plúmbeo como noite de trovões pesados, a rocha era cortada por caminhos feito fatias lhe subindo, e em meio à rocha havia uma porta colada ao seu umbral de aço, inclinada para um buraco, dando num túnel torto. No fundo deste salão cinzento e quente, abafado, Mestre Odara ia começar a grande batucada, e os músicos e todos se achegavam com tambores e atabaques; eu me aproximava de mansinho, ruim que sou.
Mas era também hora do almoço, e vinham chegando os pratos como cuias imensas cheias de salada de repolho e cenoura com molhos, além de tantos quitutes a curry forte e outras vasilhas com mais coisas boiando suculentas, os amigos iam se esbanjar cada um com uma dessas bacias - e sumiam, pesados, nesse final da manhã. Apenas eu, que sentia enjoos e barriga cheia, mal provava do almoço e me achegava a Odara, que vinha passando o toque básico, em seus meandros. Mal consegui imitá-lo, mas, único ouvinte, me acheguei e ele se lembrava de mim: estava mais velho mais sugado mais magro, e se possível ainda mais exímio; me interjeitou duas frases e insatisfez da resposta; mas abriu seu caderno com tantos toques, corrigindo ali uma notação.
Era uma notação de pontilhados monoespaçados em fileiras que formavam o desenho de um cubo, e ele ligava alguns pontos conforme o toque. Eu exclamava, da necessidade de mostrar isso ao Fonte, a notação verdadeira da batucada, e a página do caderno era isso de cubos de pontos e algumas ligações anotadas.
O público, se havia - além das transmissões gravadas para projetar no lado externo, em meio ao deserto e vigas de aço levantadas em andaimes como num show arruinado - o público na caverna era do povo local, enquanto os turistas gringos se fartavam na comida e sesteavam numa paródia da Pedra do Sal. O público local, então, era uma visão pavorosa.
A caverna era um túnel de mineração, de metais pesados e ouro líquido que subia em poças revoltosas, os homens ficavam com a pele coberta dos metais cancerígenos, e custavam se limpar: eram homens e mulheres compridos e magros, deformados com a pele manchada, muitos sem dedos ou mãos ou tantas outras partes removidas que depois entendi por quê, andavam como sombras trajando trapos e mergulhando no breu para cavar a triste pedra até desfalecer. O metal mais precioso, pelo roçar do corpo nas paredes, ia sedimentando em partes internas da pele, no punho, no peito, nos dentes, e quanto formava cristais grossos e perfeitos o povo se mutilava num frenesi contente de riqueza e perdição. Um que estava ao meu lado tinha na mão como uma pirâmide prateada apontando por debaixo da palma, um troço de ferro já a pesar bem meio quilo, e ele sorria sem os dentes da frente (arrancados por guardarem também uma pérola) calculando o valor que teria quando perdesse a mão.
No fundo, tocava a música que acordei ecoando, perdido do toque de Odara, naquele país de areia e escuridão.
Ah, um rato de lava...
Ah, cair no chão...
Ah, sentir a cova...
Ah, que solidão.

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era assim a notação, ele ia preenchendo com sua caneta Bic conforme o toque