sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

PELO AMOR DO GELO

Hoje a água da torneira tava saindo quente que nem sei. Procuro o botão do chuveiro elétrico mas tá desligado há semanas. Pra quê toalha? Acho que o ideal é ficar de roupa molhada. Não entendo bem a transição entre o molhado refrescante da ducha, e o molhado abafado do suor pingando. Por que que suor não refresca?

O ventilador girando o pescocinho pra dividir umas magras brisas dá um tom de disputa no quarto. Quem tá com mais calor? Quem tá com menos roupa? Quando percebi que a janela não estava 110% aberta, me senti traído. Estão me sabotando.
Boto uma compressa de gelo equilibrada na cabeça, no ombro, no pescoço, como um amuleto que esfrego tentando pensar. Como é o inverno? Falei no telefone um amigo no meio da neve. Essa palavra sozinha já derrete mal meus olhos leram. Não dá pra pensar em frio hoje. Que isso. Horas e horas, não dá nem pra cochilar de tarde.
Quisera um ar-condicionado, em traição a toda a revolta contra seu uso excessivo, a toda a recusa de sacralizar o frio e se agasalhar e amar o barulhinho tímido ronronando pra dormir; quisera um ar, entre amado e odiado, amuleto do desperdício e da arquitetura desalmada, contradição da terra tropical com a nossa insistência em trabalhar, em pensar friamente, olhando para uma tela de computador, em meio a essa descida massiva de luz laranja como um inferno, 40 graus hoje, sensação térmica de panela fervendo, deixa até tonto. Corpo pirado. Nem sei o que fiz, trabalho confuso.
Sol se pôs agora. Vitória, caramba, sobrevivemos. Alívio. Acho que o que mais fiz hoje foi aguentar mesmo. Que que o sol tanto tem que fazer nesse dia pra ficar assim tão perto. Deve ter uma boa razão. Quanto a mim, só lamento.
-
André Aranha

Nenhum comentário:

Postar um comentário