(andré aranha)
O pensamento conservador, que impera, tem um duplo argumento: se você rebate um, é difícil rebater o outro.
O CONSERVADOR – Vivemos a escassez. Um regime de tempo: o inverno. Vivemos a falta, a disputa; e as promessas de abundância e generosidade são falsas – ilusões da irresponsabilidade. Dinheiro não dá em árvores; dinheiro é contado – é um número fixo – como moedas de ouro que são o valor em forma concreta. Tenho ódio à impressão de dinheiro. Tenho dificuldade de falar de crescimento, de nascimento, de como isso ocorre. Tento permanentemente normalizar a existência dos bancos, de todos os intermediários, como mediadores transparentes e neutros. Viva a moral da formiga, poupando no inverno. Há pouca coisa, e há acumular o seu, de uma colheita dada; há poupar.
(Entra, em nossa ajuda, o economista desenvolvimentista – defendendo estatais e falando de gastar e criar impostos)
O DESENVOLVIMENTISTA – A economia não é só isso! Não é só a repartição de uma colheita – há a decisão de plantio, a produção multiplicadora. Não é só inverno, uma disputa do improduzível – há primavera, há verão. Há produzir e toda aposta no nascimento (no futuro) e sem ela não vivemos. As contas não fecham nem nunca vão fechar, o desequilíbrio é estrutural. Estamos sempre expostos aos riscos do futuro, é uma imensa rede coletiva de compromissos com o amanhã: o dinheiro. Uma gangorra pendendo para adiante, sempre ameaçando adernar. O dinheiro em si já é um empréstimo, e dívida pública – dívida desse grande banco central – é o próprio nome do dinheiro, essa promessa futura em circulação: o país é um grande banco e sua dívida é o saldo nas contas dos habitantes – e a estabilidade do dinheiro não é “não-imprimir” ela é a saúde do organismo todo – as importações a distribuição de renda as cadeias produtivas os bancos os bancos-países estrangeiros as bolsas de apostas... – Shhh!
- Shhhh!
(entra em cena o segundo argumento)
O CONSERVADOR – Não importa nada disso. As moedas, o inverno, são uma ficção. Um conto de fadas, um instrumento: você não entendeu nada. Não importa se há escassez: vivemos a injustiça. Quer soltar as amarras da irresponsabilidade fiscal que seguram esses bandidos corruptos?
Políticos são pessoas, no duro, egoístas, irresponsáveis, injustas: são maus por natureza. Privatistas sem respeito à lei, sem respeito aos outros. O que o Estado faz, é para alimentar eles: compra de votos, patrimonialismo, imediatismo: é isto o que produzem as eleições. Eleitores levados por símbolos vendidos, sem fidelidade partidária, sem causas públicas sendo relacionadas ao seu voto. Voto comprado barato por um Estado corrupto, com famílias de vigaristas, muito suborno, muita impunidade. A sujeira de como as coisas realmente funcionam – o desrespeito à lei, a marginalidade. A captura do Estado e seu desvirtuamento.
Temos de controlar esse lado corrompido. Esmiuçar suas contas: caçar os desvios. Policiar, policiar o coletivo – você quer a ladroagem? Você vai botar seu dinheiro na mão da ladroagem e achar que ela vai te trazer de volta em dobro? Você esquece da Injustiça!
(O desenvolvimentista é vaiado pelo público, e se afasta. Entra o democrata)
O DEMOCRATA - A Política não é só isso: auditorias, policiamento, tentar ser transparente até sumir... Também são possíveis mercados de votos – eleitores investindo poder em seus políticos e apreciando o resultado para reelegê-los – com relações positivas para a sociedade. Não são currais eleitorais cegos, comprados por superficialidades e pelo engano: a Justiça do político pode ser garantida por classes econômicas específicas orientadas, em seu voto, por um programa de ações públicas; como relações de troca entre eleitorado e políticos: sem submetê-los ao Policiamento. É possível sim a construção da Justiça e portanto de políticos representativos com autonomia para gastar em nome de todos, a partir de referentes coletivos como o Bem-Estar Social, o Ambiental, a Cidadania... – Ah,
– Ah, meu amigo...
O CONSERVADOR (vendo que o desenvolvimentista já foi afastado) – Você não vai acreditar, mas eu concordo inteiramente consigo. Podemos sim construir uma boa política - conte comigo. Só temos é que sempre respeitar a matemática fria das moedas contadas. A escassez de fundos que o Estado vive. A dívida pública. Estão muito bem os seus ideais – eu os partilho, juro! – mas estamos em tempos de vacas magras... Não temos dinheiro, só temos dívidas com nossos bancos... A Justiça é possível, mas que fazer da Escassez?
-
Eis a Tesoura do Conservador, com que ele rebenta o pensamento da coisa pública. A Tesoura da Escassez e da Injustiça, que defende a Plutarquia. Para enfrentar suas duas lâminas – qual delas faz o corte? – é preciso fazer reunir e compor, desenvolvimentistas, democratas.
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