Os antigos - Alexandre o Grande se punha nu às estrelas, despendia noites e noites no deserto seco absorvendo a astronomia - o desenho revelado. Quanta distância temos disto, quanta explicação nos dizem disto, quanta história, quanto cálculo e racionalismo; o céu está ocupado de Razão herdada, já nem o vemos...
Na noite expor o corpo, os olhos à imensidão vazia, o foco no infinito (dizem: é ver o infinito, focar o infinito - e dizem como se fizesse sentido). Atravessando o céu ver um hemisfério do zodíaco de constelações, metade da carta celeste sempre exposta, um hemisfério inteiro. O globo terrestre é gêmeo do globo celeste do céu que nos aparece na terra - por onde se fundou a cartografia, a medida da terra o mapa, pela medida do céu.
Mas o chão é outro hemisfério, ainda que, óbvio, andando ele não é uma cuia imensa - é plano ou rugoso ou mil. O olhar arredonda as coisas, arredonda esse aqui e horizontes, arredonda o céu.
Ver a lua em exato quarto crescente, iluminada só a metade e metade negra: esfera iluminada exatamente pelo lado. Lua no alto do céu e o sol se pondo, é o sol que a ilumina mas ele não parece estar perpendicular a ela (para pegá-la de luz só pelo lado): quando os olhos descem do alto do céu para o horizonte já há o arredondamento (o sol parece estar embaixo da lua) o céu é uma abóbada arredondada pelos olhos.
Voltar a ser mais cego (menos mapas, menos leituras) e o céu, antes de ser tanta astronomia e cosmologia de planetas e vácuo, é um efeito ótico: o céu é uma verdade ocular. Nem existe "céu", só vazio de ar em toda direção; céu é meus olhos. Céu de olhos que arredondam o horizonte: círculo do horizonte centrado no aqui, a visão se levanta desde meus pés, do baixo para o cima, até onde a vista alcança. O horizonte está no meio dessa ascensão, um pouco abaixo do meio (eu me ergo do chão) o chão me aparece como uma cuia, sou uma câmera "olho de peixe", vejo o mundo como uma esfera ainda que me equilibre na sua planitude. O céu é um efeito ótico: o sol é uma derivação interna à ocularidade, e os olhos recebem verdades deste foco do princípio vital de luz no mundo: plantas, calor...
Fechar os olhos (os sonhos não são vistos, não são nem vividos: outra coisa se vive; o sonho já é lembrá-lo, o que aconteceu antes do despertar tem outro nome, é inominável) botar-se no escuro, limpar os olhos de seus fantasmas: manchas de visão. No fundo do olho do mundo bóiam manchas fixas de constelações. E em meio delas (ver o mundo a partir de si, a partir de baixo: parar de se imaginar o Uno que pega o mundo num globo, jamais pegaremos o mundo num globo: somos formigas vendo cuias e com olhos cheios de fascínio que de repente veem riscar os furos do manto negro, riscar o manto furado da noite do mundo do sono) uma luz risca o céu e se apaga.
Só às vezes a estrela cadente é vista por todos: coincidências de sonhos. O céu é o mundo do sonho, da noite.
De volta a um radicalismo de revolução kantiana que põe no sujeito - na sua maneira de apreender o mundo, essa mediação - os principais eixos que definem o objeto-mundo que nos aparece. Kant falava de tempo e espaço (relógios e bússolas) que impomos ao mundo, da lógica encadeada que impomos ao mundo. Dar mais um passo nessa direção: o corpo é a chave, voltar a Protágoras "o humano é a medida de todas as coisas". Refazer a revolução copernicana, reacessar a astronomia - a abertura do ar ao infinito e os desenhos que aparecem no fundo. Absoluto fascínio da revelação material do céu estrelado, onipresente.
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