sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

sexta-feira santa

(andré aranha)

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Você sai para um lugar muito amplo e escuro, um enorme saguão de rodoviária, vazio, à noite. No meio, uma pracinha de cidade do interior, com degraus de pedra, cheia de... seres. É o sabá das bruxas.
tochas e fogueiras distantes, vultos de danças, homens baixos peludos, com pernas de bode - um deles te afronta com chifres, querendo cheirar seu rosto!e há risadas, vinho barato, facas de ferro e grandes estandartes rasgados. Passa uma sombra de cavaleiro segurando dois cajados cruzados (como no mito) e você percebe que de fato É sexta-feira santa, dia satanista por excelência - mas num flash de dia você vê a maioria dos seres (não todos) de volta à forma de estátuas numa loja de arte folclórica - e o flash volta ao sabá
Você olha para trás e tem um cara, ou uma sombra, ou três caras seres sombras espetando com a bengala a SUA sombra. Você sai correndo e se esquiva do cavaleiro de sombra no chão, e volta para dentro do salão iluminado da rodoviária.
Ambiente mais calmo, tem burburinho de fundo, a rodoviária cheia: você procura conversar sobre os diabos com as pessoas dali, dizendo todo tipo de asneiras como que é "muito interessante", e "imperdível". Encontra mínimo apoio, disperso, mas já se convence a sair de novo, com um livro, e sai. Só que passou da meia-noite: agora são só estátuas. Você é um lorde
Você é um aristocrata do antigo regime se declarando a uma donzela sem rosto e falando do turbilhão satânico do carnaval que atravessa séculos, casos de jovens que entravam em 1623 e só reapareceram em 1746:
Você começa a narrar extensivamente um discurso analítico todo medido sobre a definição exata da magia (ou chamem como for). A ciência a medicina a política a astronomia as empresas o futuro tudo está cheio dela, não há desencantamento, há as vertentes que ficam de fora (o fauno) e, não que pudessem ficar dentro, mas perdemos os mediadores com elas - e para o problema ECONÔMICO do mundo precisamos ir muito fundo nisso: porque é a batalha da abundância e da escassez, vivemos o inverno a preparação do inverno somos formigas acumulando
E no meio desse enfeitiçar hipnotizar com as palavras você súbito beija a figura de pedra mas sua boca parece cheia de biscoito e você diz isso, tentando engolir; é um beijo seco como areia, e sua língua se desmancha no chão.


dreamtime, traumzeit. Hans Peter Duerr. 1985

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