segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Somos fantasmas

O problema do dualismo é que ele é impraticável: não entendo o seu ponto de vista, e, francamente, tampouco o meu: flutuo em meio ao debate, como uma força invisível que se move por detrás da argumentação: a lógica é um teatro de mecanismos, marionete que movemos, assistindo, fascinados, ao espetáculo.

Figuras de teatro, que montamos: eis o cenário, as palavras e também tudo que vejo e compreendo, o figurino e os muitos panos atiçados pelo vento, rugindo, enquanto massas de nuvens inflam as velas e uma tempestade se gesta em nós. Irradiações de razão, os raios rompem as nuvens acendendo fogo nos olhos inanimados.
Diálogo, em seus muitos níveis, desde aríetes rebentando as portas da torre retórica, marte brilhando sangue; até a mera concórdia de domingo, o tédio vago de mastigar palavras. Mas sobretudo: no que atravessa entre dois pontos de vista, no que vibra as plásticas figuras que moldamos e remoldamos, nos rastros que deixamos, nós habitamos. Somos fantasmas, rasgando raios na calmaria, pelo simples terror de inexistir. Que é de mim, senão o raio que vibrou um dia? Em ricochete entre a minha e a tua montanha inerte...
Um sopro endemoniado, indo-e-vindo entre pulmões obcecados com a existência (em meio à robotização, em meio à medicalização, em meio ao niilismo e o apocalipse, são ainda deuses que se derramam nos seus olhos).

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