sexta-feira, 23 de julho de 2021

Babel

Tratava-se unicamente de defender uma postura. Todas as perjúrias ao olho do sol, à desmedida, à babel que rebenta, tinham este fim. Um fim bem pequeno, ou melhor, um fim no tamanho que temos: a filosofia de ficar ao sol; de abrir os olhos e apreender a abóbada celeste, a linha do horizonte, o solo ilimitado que nos sustenta, e ter, nestas apreensões, a essência do firmamento. Um estar aqui, integral, essencial.

Explico: não precisamos de lunetas ou microscópios, de mapas ou cálculos, para apreender a essência da terra. São instrumentos, permitem passeios, mecanismos, previsões; mas nada dizem sobre a essência das coisas. De volta a Kant, a essência da terra provém da apreensão imediata que temos.
Importância da questão da inexistência do vazio. Remexer o fundo do sentimento que isso inspira: a finitude da terra. Somos finitos sobre algo que também é finito, dentro dum universo praticamente vazio? Ou pisamos no ilimitado, num universo maciço?
Se usar os instrumentos muda o sentimento de estar no mundo, tornando-o mais frágil; se tenho o solo firme e infinito para meus pés, mas, pela triangulação dos astros, de repente ele fecha os horizontes como um umbigo no pólo sul, me lançando num vácuo sideral; o solo firme então se esboroa como um torrão impotente ante o nada, abundante. A razão, desmedida, se alça ao olho do sol, que então nos vê nesta geometria inumana, extraterrestre.
De volta ao solo, ao eu, como pode a matemática da luz, os astros e suas rotas, descer como uma tesoura cortando o cordão umbilical do meu horizonte como uma gota isolada? O mapa-múndi é um mapa, o globo terrestre é uma representação, não é a terra. Está correto enquanto instrumento para a astronomia e sua filha cartografia. Mas não é a terra.
A escala não é neutra. Coisas imensas são muito diferentes de coisas minúsculas. Voltar a isto, à apreensão da grandeza como um mistério, sem reduzi-la a uma repetição geométrica; sem reduzir o monumento à maquete, o colosso à miniatura. Os números foram planificados, domesticados, linearizados; mas as quantidades são medidas reais. Como dizia o outro "Tem uma cola entre os números, infinitos números em abismo entre 1 e 2".
Voltar a isto, deslinearizar a apreensão imediata que temos. Uma fenomenologia primeira, uma relação essencial com o estar aqui. É este o mundo. Os instrumentos me permitem voar. Mas não alteram a essência ilimitada. A grandeza não se torna pequenez ao fazermos uma maquete; ela segue sendo grandeza, impossivelmente maior do que eu, infinita para meus pés.
Babel e suas muitas línguas: à pergunta de alçar-se ao olho do sol, a resposta dos múltiplos olhares humanos, dispersos em todas direções do horizonte.



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