domingo, 29 de agosto de 2021

Adulto (Babel II)

No turbilhão dos dias, imerso em cobranças, aflições, expectativas; imerso em medos, de redemoinho e ritornelo, de ser tragado na repetição infinita do mesmo trauma: afogando-se portanto, nos fantasmas que do futuro assomam e que são feitos dum tecido de sombras que o passado deixou; nesta tormenta! nestes dias escuros! o pensamento se agarra, como uma bóia de salvação, na ideia luminosa, neste sol que nos guia, de emergir: emergir das paixões diuturnas, emergir, emergir do mar revolto, arquear a cabeça acima das ondas e inflar os pulmões oprimidos, como um balão: subir, alçar-se aos céus, como pipa, tragar-se do elemento mar, ao elemento ar, ascender, limpar-se, secar-se, voar límpida alma livre das âncoras que a derrubam e deprimem e reprimem, libertar-se, folha que se destaca da árvore, libertar-se das travas duras que condenam a respiração.

Somos barcos, navios em curso sobre o oceano do tempo. E, do mesmo modo, não o somos. Ao lutar contra as ondas, que refúgio não é, finalmente, tocar com o pé o fundo (e mesmo sem ganhar chão, que prazer de submergir e caçar punhados de areia no leito oculto). Fugindo às ondas, cabeceando pelo fôlego em meio à espuma da arrebentação, roçar a areia, de repente, pisar firme, o chão firme que nos sustenta. E com estes pés, abrir narinas como velas de navio, inflar-se, da terra para o céu, colosso de fundações montadas.
Em resposta então, ao desejo de emergir do turbilhão, a outra ponta do argumento, a ponta que rebenta o dualismo, responde com o desejo de pisar o chão firme. Pois um homem curvado não apenas tem um peso sobre os ombros, de que se livrar: tem o afastamento da terra, que lhe faz perder a base. O sol também cega, o vento com seus uivos nos perde a razão, pisamos pés de barro que se amolecem como uma coluna se dobra e os ombros desmanchando. Sob o oceano, o leito: o solo em que cavamos raízes, em que crescemos árvore - em meio à tormenta, meus pés, são eles que emitem folhas como filhos, e da boca, o pólen que a tudo alimenta. A terra nasce do mar, a montanha rompe a linha d'água como um gigante carregando mundos: adulto, eu sustento cidades sobre meus ombros, eu, caindo em direção ao céu, encalho o barco: sou a raiz em ascensão.

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