sexta-feira, 5 de março de 2021

OS REIS DA COZINHA

Adoro cozinhar, regularmente, e adoro mais ainda NÃO cozinhar, regularmente. Eterna polêmica se o feijão deve ser temperado ao atacado, um quilo inteiro cozido e congelado para ser preguiçosamente requentado dia a dia - ou temperado a cada lote ou mesmo a cada refeição. Não é melhor comida fresca, recém-feita?

Feijão, para mim, é feijão requentado; muito raramente como do fresco que é mesmo uma delícia, especial. Mas não é que não valha a pena - não é da ordem das coisas esse feijão fresco todos os dias. Sei lá, eu não sou cozinha de batalhão que precisa fazer feijão todo dia (e mesmo se fosse, não daria pra congelar? investir nos ganhos de escala?) que sei eu. Adoro os ganhos de escala.
Dedico meu esforço: eu mesmo vou cozinhar e limpar tudo, a casa; os cuidados de mim, esses mais íntimos, mais diretos, esses sou eu quem faço, tenho saúde, isso é saúde - é como escovar os dentes, já me disseram, como tomar banho e se vestir. Pois é exatamente isso. Todos temos um método no sabão do banho, um na toalha que enxuga, um na escovação dentária e os pequenos hábitos da diligência cotidiana consigo mesmo. Um método nem muito chato, nem muito ineficiente - voilá, é disso que estamos falando. A cozinha é mais um departamento do corpo que precisa de atenção: fazer a barba, fazer a cama, fazer o café. Fogão, extensão da minha barriga, louça, extensão da minha boca e eu lavo a louça como lavo os dentes...
Atacar a cozinha como um desafio na autonomia de si. Reinar na cozinha, investindo bem o tempo, a disposição, o saco. Ganhos de escala, ganhos de imersão, e ganhos de repouso; viva a geladeira, e viva, principalmente, estocar comida feita para comer requentado. Vitória completa dos que almoçam o que cozinham - o que cozinharam outro dia, pois naquele dia são reis, inúteis preguiçosos, bem-servidos pelos si mesmos do passado.
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andré aranha

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