sábado, 26 de fevereiro de 2022


Cada vez pior na poesia,
o poeta ataca com o pior poema de sua carreira.
Ao lê-lo,
amantes da poesia reveem suas amadas
e aqueles pouco conhecedores
a recusam com ódio,
com júbilo,
com razão.
De tal forma é a recusa
que não há poesia depois do poema
um poema indefensável e abolível
e mais um outro, e mais um.
Cada vez pior na poesia, o poeta imprime palavras falsas
seu poema é torto, não é poema
a língua se desaprende e se desfaz.
E em seguida ao poema,
um alívio, o reencontro
tudo é melhor que ele
e ele é pior que nada - e de poema em poema
o poeta afunda
em um poço da poesia perdida
como um cego apalpando a poesia das tábuas enterradas
um poeta perdido no tempo e nas letras
e cada vez mais, e cada vez mais
uma poesia esguichando feito baleia
dum ser marinho, mergulhador
desafeito ao livre curso das narinas, à livre voz, ao livre cantar.
E encerrado num mar profundo, o poeta rima
o nada com coisa nenhuma, em linhas sobre linhas
num empilhamento de babel
que é o que sobra, que ele deixa
em seu perder-se
piorar-se
desfazer-se
perdidamente tragado pelo céu, ou pelas profundezas
perdidamente perdido
e sem poesia
palavras as mais tolas, som o mais oco, rima a mais vaga
poesia finalmente inútil
poesia ponto de chegada, inútil
ponto de parada, e cada vez mais
imóvel
uma poesia parada, e cada vez mais
E em declive prolongado
a poesia desmancha
como uma espuma, e o poeta estoira
como uma onda rebenta nas praias
e sua escrita, aguerrida
como as colunas de mar desabando
o poeta desaba, a poesia
sem nem onde pisar, poesia poeira
uma poesia defeita 

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