quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Geoarquia (para ser lido como um "andarilho desmemoriado")

Aprofundando na senda de Hermes, nos passos de mercúrio. Vida de hermes, vida maldita, mal-dizida: biografia mal-escrita, cheia de barrigas e dúvidas divididas. Vida de Hermes mensageiro, levando recados para os outros, perdido nos mapas e nomes. O que está no meio entre duas pontas que nunca se dão: entre dois abismos. Entre o nada e o nada, o ser, entre o oco e a morte lá fora, hermes, mensageiro, atravessando.

Antes de Hermes, Husserl lembrava da Terra não ser "mais um" corpo em movimento: a terra é o ponto de referência dos corpos, por onde se mede o movimento deles. Mas veio a revolução copernicana: decapitada a geoarquia, reinado do hermes. Vidinha de hermes que temos.
Foi assim perdida a Lição de Babel. Que a torre única que reunisse todo o povo - a arquitetura una, a unidade da língua sob um edifício, um único saber um único ser "que se alça aos céus" acima - destruída, a torre caída que vivemos e Babel borbulhante de autofecundação da ruína habitada: Babel a poliarquitetura de saberes, polifônica com suas “muitas vestes”, poliglota cosmopolitéia, poliárquica definição reencontrada.
Babel esse mito, esse obelisco que esquecemos como quem, antes enxergando, perde o foco - e Husserl dizia como quem foca o olhar, e vê, no meio da erguida da Babel, vê lá longe, no horizonte, o outro: e daí funda a primeira horizontal, e daí funda a geofísica. Ele livrava a geometria do olhar dos céus, Husserl se debatia sob a revolução de copérnico. E percebia, com sobressalto: mas e antes, quando os mapas eram “daqui mesmo”? Quando a física era geofísica, antes de ser astral (antes de Newton e sua gravitação)? Antes de metrificarem o Pêso, antes de porem réguas na irresistível atração do Chão, na geoarquia da Terra?
Husserl falava de voltarmos à temporalidade da terra, para quem somos o corpo que se move. Terra e corpos como as primeiras definições físicas, como uma física sagrada. E compreender essa escala (terra e corpos) e sacralizá-la como a "apreensão imediata" – âncora em meio ao mar de apreensões "mediatas" que temos, herdeiros de hermes, viventes de hermes mercúrios e suas mensagens e mercadores, o mediador marchando entre mercados, primo de marte...
Falávamos do chão e topamos com Hermes: curioso falar do 3 em um texto escrito linearmente (não estou relendo) e daí estar como que "prosseguindo, indefinidamente, cenário adentro" (como Babel, indefinidamente subindo). E daí se quero falar do 3 preciso ser como o "andarilho desmemoriado", que procura dar voltas incessantemente, e a cada novo caminho que penetra, experimenta-lhe todos os círculos que pode fazer, ainda que nunca em nenhum momento atinja o centro daqueles círculos, mas em todo momento estar apontando pontos de referência (é, afinal, um passeio) e em meio deles, apontar: veja, o obelisco?
- Está vendo ele? o Hermes? A própria letra?
Seguir a lição de Babel: a Babilônia do livro, a Bíblia é Babel, Báblia Bibléu, bolha bábila bíbila Bíblia Beleléu Babel Babel, o livro, A PRÓPRIA LETRA: seguir um texto de Hermes com sua bússola da ruína habitada, da torre derrubada: e o Norte aponta Mater Matéria em direção ao abandono da forma letra, e mergulho no analfabeto, no além letras: o solo nu (gravidez gravidade, matriz chão, o amorfo, ilimitado)

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

POIS EXISTE A CABEÇA

Pois é meus amigos. Na ponta da marionete inquieta, subindo por membros e espinha dorsal, de repente: vocês não acreditariam.

Clavículas e saboneteiras que dão no vazio, ombros e toda sua dança de gravitação, de início dos braços! de fim de pulmões e gradil de costelas!
Eis que a espinha chegou até ali, e exclama leve, aliviada: cumpriu-se o eixo das duas cinturas, a encruzilhada dos músculos, a linha-mestra cercada dos pilares: dois na frente, dois dos lados, dois atrás, mas não se engane! Os cruzamentos, a dinâmica da marcha, a dança e as árvores que ganham do vento...
Então eis que a subida termina, e enfim, no descanso, no fim dos membros tantos... Os ombros dão até um pulinho, como se não fosse com eles, mas, a surpresa! A subida continua! Existe um pescoço!!!!
Um pescoço!!! Inesperado, eu sei, eu sei, ninguém esperava por essa, e as palmas invadem o salão, gritos de bis, gritos de urra e desmaios, quem imaginaria... As cadeias continuam, os empilhamentos, as descompressões, eis que a catedral avança mais um degrau, um novo andar para o edifício, babel reencontrada e, no topo: a chaminé de fogo: os cabelos subindo como um deus: o peso de 7 quilos e 7 buracos: a pousada dos olhos comedores de luz: sim, a redonda: a esfera: a inaudita-absurda, o ponto cego visionário, a come-come, a cheira-cheira ouve-ouve e a porta dos ventos que nos carregam...
Cabeça querida, te reencontrei flutuando nesse mastreamento cruzado e perdido, nesse navio de velas emboladas, no cordame de nós cegos... Sobre tudo, sobre as águas: cá estou eu ela, cabeça em cima de mim, ou mesmo sob mim (quem disse que não estou ainda uns palmos acima, quem disse a espinha não continua no céu, quem disse o que se passa depois?)
Rainha da marionete, nua rainha deste jogo de órgãos: não é tudo sobre ti, tampouco nada sobre ti: acima, inapreensível.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021


Minhoca de ferro nos túneis de sombra e luz
A escuridão em que mergulhas com teu roçar
teus guinchos tua raspagem do metal no pó
Sibilante serpente subterrânea em que monto
Para brotar, de buraco em buraco

Veloz piscando aparições pela cidade 

sábado, 11 de setembro de 2021


Dia mil, ano zero, e todos os meses se passaram
O sol fura o horizonte com púrpura e dourado
Na bacia abre-se uma flor
Enquanto asas me erguem
Acima e acima,
Minhas longas pernas,
Enterradas até a canela -
Chovem bigornas e âncoras, recebo muitos tiros
Do meu peito brota um rio
Festa de trapos, retalhos, migalhas
E pó, o pó que tudo habita
Espirro como um vulcão
Centauro, meu corpo cavalo pisoteia
Os restos do banquete, as ruínas de abril, bolas de gude
Quebrando minhas unhas com estalo
O alinhamento de marte, mercúrio, vênus e
o globo que trago sob o pescoço
A espada de fogo em meus cabelos
Sim,
Desfrute
desfrute,
desfrute.