sexta-feira, 26 de março de 2021

A INVENÇÃO DAS SOBRANCELHAS

É claro, é claro, vão dizer (e trazendo gráficos e especialistas, powerpoint, um sujeito de óculos e barba e camisa pólo sorridente) as sobrancelhas foram inventadas para fazer frente ao suor, que escorre da testa, direto para os olhos.

E dizem mais: mamíferos sem sobrancelhas, no calor infernal, sentiam gotas nos olhos e tinham de esfregá-los bem na hora em que o tigre dentes-de-sabre babando resolvia saltar sobre nosso antepassado. Quer dizer, sobre o TIO do nosso antepassado, um parente que não teve filhos por conta da morte na púbere idade. Desprovida de sobrancelhas, fique claro.
Já nosso marsupial querido, vovô Pitecantropus, esquivava as gotas desse chafariz craniano com facilidade, devido às suas bem-fornidas linhas pilosas sobre-oculares, podendo penetrar, com sua visão aguda, na mais íntima vergonha do já referido tigre, assistindo ao espetáculo do tio dessobrancelhado sendo devorado, prevendo cada gesto da fera e pronto a se esquivar. Sobrancelhas grossas então, valorizadas pelas fêmeas (isso é jeito de se referir à sua avó?) pelas nossas avós calculistas, com medo de tigres sorrateiros. É isso, e daí temos sobrancelhas.
( Pausa para avaliar que sobrancelhas fazem sombra mas não são SOMBRAncelhas. Aliás os franceses chamam elas de "sobre-cílios" (muito caído isso) enquanto o nosso sobre-cílio ficou de esguelha, não pentelha, anseia - espera, caiu suor no meu olho, )
Agora sim, foco. Olhar penetrante. Sem tigres dente-de-sabre ou dente-de-faca, garfo, colher. Sem tubarão-martelo, sem nada no meu radar. Olhos penetrantes, vívidos!
Suor coisa nenhuma. A evolução não é tão materialista. Vovó Pitecântropa não tinha medo de tubarão-de-sabre nem pirata nem nada disso, era uma marsupial feroz, inclemente. A questão é muito outra.
Vão dizer: hoje as sobrancelhas são sobretudo expressivas! Quem depila sobrancelha? Fica horrível! Faz parte do rosto do homem (e da mulher, da criança, até de alguns pets, de tigre...) moderno. Só do moderno?
Eis que chega, sorrateira, saltando de trás de você (que ficou pensando sobre marsupiais e depilação facial e abriu a guarda para essa intromissão vergonhosa), irrompe na cena, babando, a verdadeira resposta sobre a sobrancelha. Sem mais delongas: a sobrancelha foi inventada para fazer cara feia. Os marsupiais nem suavam. Tigres dente-de-garfo não existem. Vovó Pitecântropa usava tubarão-martelo pra pregar vovô Pitecus na parede (era o matriarcado primitivo, procure se informar). E eis que tio Dessobrancelhado não tinha sexy appeal. Vovó falava, de lingerie primitiva: "Façam uma cara bem malvada!", tio Dês exibia os dentes, enrugava o rosto todo, arreganhava os lábios. Vovô, simplesmente, com um olhar de desdém, envergava suas linhas peludas, em uma expressão inconfundível >: (
Estava claro quem era o caminho da evolução.
Nada de suor no rosto, suor é coisa moderna porque naquele tempo era idade do gelo e a galera nem tinha roupa; vivia na floresta, não tinha aquecimento global etc. E determinante evolutivo, convenhamos, não tem picas a ver com tubarão-chave-de-fenda surgindo de trás da rocha. Sexy appeal man. Cara de malvado. É isso que importa, hoje, ontem, e na marsupilândia.
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andré aranha

domingo, 21 de março de 2021

RACIONAIS DEMAIS

melhor: burocráticos

Se racionar fosse pôr em proporção; balancear -
Racionais demais: porque a razão desmedida rompe a razão mesma e se torna desrazão: fazendo cálculos demais, agarrando-se em derivações teóricas de contabilidade, os dias, as medidas, por sobre relações frágeis que não güentam essa lógica imposta (fria, ignara). Num mar de absoluto além-razão (sua razão que se diz sem corpo). Raízes finas bem trançadas, teus raciocínios, mas que me importa se o mal é nuvem, que te fura e sobe
Se a razão não tem corpo não é razão você já perdeu o raciocínio... Tão racionais, a ponto de não sê-lo (querida razão perdida)
Burocráticos: é de tirar do sério
Se a razão fosse racionamento, fosse pôr na medida qual um meditar; e até pôr a si mesma na medida, e a própria raiz trançada;;
Burocráticos: perdida a razão como um manual de burros, põem-se antolhos, ignoram o mundo, reina o desencarnado. Ou raiz-tudo ou fogo-além, vocês não veem o meio caminho
Então entramos numa religião da burocracia e vocês dizem não é religião porque tem verdades letais não é brincadeira e eu digo: religião nunca foi essa coisa leve de se escolher, ao puro bel-prazer, de se trocar como troca o canal de tv, a capa do celular, a hora do despertar
Religiosos vocês, dogmatas. Cães cínicos comendo seus hot-dogmas do culto à burocracia-ciência e desimporta todo o molho vermelho escorrendo pelas mãos
Não vivemos sua arquitetura, os seus grandes projetos: vivemos a ruína (o erro a mancha denunciadora). Tudo é ruína (estamos antes da idade da pedra, involução mental absoluta, pré natureza). Adentremos a idade da natureza: avante! Para baixo! Ao nu!
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andré aranha

sábado, 13 de março de 2021

O SOL É PLANO

Nunca sabemos o que estamos dizendo: pensei duas vezes, falei três, e ainda não sei. A língua é um laboratório: faço planos e mais planos por entre minhas orelhas, piscando olhos, imaginando. Sonho sonhos. Turbilho tudo que recebo no meu turbilhão. E então experimento: a língua é um laboratório: boto palavras no mundo, sem saber o que dizem: cada frase que profiro é um teste.

Estamos sempre rumo ao desconhecido, não há o controle. Se o tempo é um círculo, que imenso é o círculo em suas voltas. Irrompendo minha linearidade imposta a tudo.
Não há equilíbrio, nunca há. A ioga foi traduzida errada: nunca se trata de encontrar uma perfeita neutralidade, imparcial eixo por sobre os pratos da balança. Nunca se trata de parar: não há equilíbrio. Só existe o desequilíbrio: estamos vergados, galhos vergados sob o vento do tempo, carregando-o, adiante. E cada passada de segundo é um desequilíbrio: eu respiro, eu penso, eu sinto existo ando grito
Converso despejando experimentos, ouso, especulo: sou um grande apostador de ideias - sou um grande espectador desta arena de ideias, desfruto vendo-as se digladiarem, irromperem de suas cavernosas mentes à luz da fala. Que querem dizer? Querem algo? Ou só rebentam e espatifam no ar, como um jorro de frases encadeado, enquanto me empolgo, o sangue me aflui à face, engatilho raciocínios vívidos. Tento de tudo para convencer. Eis o teatro
Eis a arena dos malabaristas caindo
Só há o desequilíbrio (não tem nada no centro do círculo)
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andré aranha

sexta-feira, 5 de março de 2021

OS REIS DA COZINHA

Adoro cozinhar, regularmente, e adoro mais ainda NÃO cozinhar, regularmente. Eterna polêmica se o feijão deve ser temperado ao atacado, um quilo inteiro cozido e congelado para ser preguiçosamente requentado dia a dia - ou temperado a cada lote ou mesmo a cada refeição. Não é melhor comida fresca, recém-feita?

Feijão, para mim, é feijão requentado; muito raramente como do fresco que é mesmo uma delícia, especial. Mas não é que não valha a pena - não é da ordem das coisas esse feijão fresco todos os dias. Sei lá, eu não sou cozinha de batalhão que precisa fazer feijão todo dia (e mesmo se fosse, não daria pra congelar? investir nos ganhos de escala?) que sei eu. Adoro os ganhos de escala.
Dedico meu esforço: eu mesmo vou cozinhar e limpar tudo, a casa; os cuidados de mim, esses mais íntimos, mais diretos, esses sou eu quem faço, tenho saúde, isso é saúde - é como escovar os dentes, já me disseram, como tomar banho e se vestir. Pois é exatamente isso. Todos temos um método no sabão do banho, um na toalha que enxuga, um na escovação dentária e os pequenos hábitos da diligência cotidiana consigo mesmo. Um método nem muito chato, nem muito ineficiente - voilá, é disso que estamos falando. A cozinha é mais um departamento do corpo que precisa de atenção: fazer a barba, fazer a cama, fazer o café. Fogão, extensão da minha barriga, louça, extensão da minha boca e eu lavo a louça como lavo os dentes...
Atacar a cozinha como um desafio na autonomia de si. Reinar na cozinha, investindo bem o tempo, a disposição, o saco. Ganhos de escala, ganhos de imersão, e ganhos de repouso; viva a geladeira, e viva, principalmente, estocar comida feita para comer requentado. Vitória completa dos que almoçam o que cozinham - o que cozinharam outro dia, pois naquele dia são reis, inúteis preguiçosos, bem-servidos pelos si mesmos do passado.
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andré aranha