Moro há 4 anos na Lapa, no centro do RJ. E lá vem de novo o projeto de cidade turística.
Urbanismo caro, de vultosos investimentos. No centro do Rio de Janeiro. Região central de uma grande capital do Brasil industrial.
E a crítica a isto é um debate localista sobre gentrificação de bairros, de setores específicos da sociedade. De encarecimento de uma parte, de expulsão de pessoas.
Mas quem anda pelo centro do rio se impressiona da quantidade de oficinas, de estoques, de galpões com máquinas antigas. Imóveis antigos, ruas antigas, meios de produção volumosos, e uma imensamente dispersa e despadronizada massa de proletários; (em cada oficina de carro, em cada serralheiro; em cada feira, em cada fretista, cada marcenaria, cada galpão de estoque).
Quando imagino a avalancha da especulação imobiliária, lembro das gráficas da Gamboa e os milagrosos impactos do Porto Maravilha. Gentrificação, pois certo. Mas meus olhos são muito atraídos pelas oficinas e estoques e revendedoras de peças e pequenas metalurgias e usinas de produção. Aço. Siderurgia. Metalurgia e indústria gráfica, antigos bastiões da indústria brasileira no Estado do Rio de Janeiro.
Vi aquelas lojas fechando, e as redes de complementaridade e simbiose e (por que não?) inventividade entre as muitas médias empresas e todo esse ecossistema econômico - se desfazendo, sendo obrigados a migrar, a perder somas, a dispersar trabalhadores qualificados.
Uns diriam "É o processo natural, de obsolescência!" e imaginam que, por trás dos irrequietos voluntarismos humanos, operam vastas leis inclementes (somos passivos serventes de seus desígnios... mergulhamos no esquecimento do eu, dionisíacos do niilismo) se recusando a participar da Consciência que arquiteta intencionalmente esse mercado: o Estado: a convenção da nossa ação coletiva.
Não, o Estado deve ser sempre negado como pensamento, é sujo, é corrupto, é político! Podendo ser qualquer coisa, é sempre fruto de um pacto, um conluio; o Estado é esse cartel que somos e negamos, reiteradamente, esperando o pesadelo acabar.
Jane Jacobs, a escritora jornalista que tanto iluminou o urbanismo ao descrever as simbioses dos ecossistemas-bairros, tanto residenciais (e a questão da segurança, dos muros, das praças) quanto os industriais-mistos - ela demonstra, em seu A Economia das Cidades como é esse "ecossistema econômico territorializado" em uma região das cidades, e que precisa ser alimentado. De nada valem vultosas plantas industriais no meio nada, cercadas de cidades-anãs-dormitórios (turísticos). É a simbiose em permanente transformação dos bolsões de médias empresas que se criam ao longo de muitas décadas em bairros (como na Gamboa, como na Lapa) é esta a fonte da abundância - desde a Revolução Industrial, desde a Revolução Agrícola engendrada pelas cidades, desde a Mesopotâmia e a primeira cidade, diz ela.
O Rio de Janeiro, o Estado do Rio, o Brasil - continua em um mergulho dionisíaco no niilismo, querendo "entregar-se", "abandonar-se" às mãos de outros (do mercado, dos estrangeiros, dos profetas que sei eu) em vez de tentar assumir as rédeas do seu destino. Como disse outro dia: "não há opção" (ah somos corruptos demais para o desenvolvimentismo, somos ineficientes demais para as estatais) - não há opção, não há desenvolvimento "inconsciente", pelo simples largar-se às marés do mercado. Sempre há o Estado fornecendo os eixos da acumulação - é niilismo negá-lo. A economia é decidida - temos arbítrio, sempre. É uma convenção, o dinheiro é uma convenção, um crédito, uma finança - ele não é uma máquina super-eficiente, uma peça de troca, de facilitar escambo; sua origem está no político, no poder dos reis, no crédito.
O Rio de Janeiro, o Estado do Rio, o Brasil - padecem de uma industrialização largada às cegas, de largos espaços de tecido urbano com herança industrial, com pulverização de meios de produção. Somos uma nação avançada, comendo poeira há 40 anos mas ainda fortemente capitalizada para retomar uma das disputadas vagas do crescimento global.
Cadê, eu pergunto, nossa política industrial? Nossos investimentos estatais pesados na CEDAE como contratadora de produções de grandes empresas (que por sua vez demandam de produção local seus insumos, e temos aí os ecossistemas crescendo) auxiliadas pela Universidades Públicas, para tomar a dianteira mundial da produção de Saneamento (essa questão do futuro)?
Cadê a articulação das nossas reservas de petróleo, com nossa indústria petroquímica e seu complexo de médias empresas (essa fonte do desenvolvimento, essa fronteira dos químicos e dos plásticos) "esperando" a boa-vontade do mercado (dirigido pelos estados americano, chinês, europeu...) enquanto o governo brasileiro cruza os braços?
Pois bem, Paes irá produzir sua soja, atrair seus dólares de curto prazo. Que pode ele? é só um político; e se o problema está em nós e não neles? Porque mais uma vez adiamos o controle dos nossos eixos industriais, que pouco a pouco se desfazem, e o Brasil come poeira; gentrificamos o centro do Rio, como mais uma privatização desgovernada. É divertido, no mais, lançar-se à História sem nenhum planejamento. Talvez tenhamos sorte e caiamos, pelas graças divinas (desse deus negado, desse mergulho dionisíaco no niilismo social) numa sociedade mais justa, numa economia da abundância. Até lá, oremos - é carnaval.
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andré aranha
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