domingo, 24 de novembro de 2024

METEOROLOGIA

Os meteorologistas existem para os economistas não pegarem tão mal, com suas previsões furadas. Ainda assim, vivo vendo a previsão, e torcendo para estar certa ou errada, como me convém. O tempo vem piorando, mais extremo, afetando a economia e por ela afetado. Meteoro-logia, os meteoros objetos no céu aquém das fixas estrelas e 7 astros moventes, os meteoros cadentes, nuvens, raios, ventos, arco-íris. O que está no alto, o grande que nos escapa, que nos envolve e nos supera, necessariamente - não infinitamente longe, mas que nos toca, diretamente. A tal busca de subir e enxergar o mais completo, inalcançável, se opõe a busca por reger apenas o imediato, o óbvio que me cerca. Individualista, tento encontrar um grau zero de simplicidade mas que é também ele miragem, nunca alcançamos os extremos. A eco-nomia dá o regramento do lar, do ambiente, que ao fim e ao cabo se espalha em um eco amplo de relações. Onde termina o eco de que faço parte? Onde começa o meteoro superior? Mas também embaixo a eco-logia descobre o inapreensível, imensa gaia geocêntrica que nos engloba, por debaixo. E então o regramento da nomia se torna uma pergunta. Qual a lei, o bom conduzir, sem controlar a lógica por completo? Apenas o incompleto, insuficientes vias que desenharíamos para bem mover o mundo. E na nomia do eco encontramos o bom trabalho, com seus princípios esboçados do que é justo, do que é certo: a ergo-nomia é bem isso, o regramento do bom usar o corpo, o esforço. E na gastro-nomia seria a boa ciência médica que nos conduz à saúde, ou pelo menos às delícias: as regras de misturar o alimento, tratá-lo, servi-lo. Por fim, a astro-nomia descobria uma ordem maior do que os meteoros moventes no céu, e aprendíamos nela boas leis - que nos inspirassem como regrar nosso eco no bom rumo de sua lógica.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

UM CONTO DE FADAS REVOLUCIONÁRIO


Vem cá, vou lhe contar uma história: Era uma vez, um príncipe em um reino muuuuito distante... Ah, mas essa estrutura... Daí depois, a gente vai falar de política, e é tudo ao contrário...
Então melhor: era uma vez, uma princesa! de um reino muitíssimo longe. Ela usava vestido curto, que pudesse mover as pernas, e seguia com seu séquito encontrar o resto da corte etc. Mas que saco essa vida aristocrata. Vamos problematizar?
Era uma vez, uma criada num reino muito distante.... (talvez agora melhor um criado? repisando estereótipo) que vivia trabalhando (meio Cinderela isso) até que um dia o príncipe encan... oops
Era uma vez uma trabalhadora autônoma num reino distante, uma lenhadora (uau! que inusitado) que vivia muito sozinha, trampando pa burro. Acontece que naquele reino havia uma lei de que não se podia usar calça curta (ou "shorts") e nossa lenhadora era inconformada com isso (tudo bem? o foco ser algo supérfluo?) Um dia apareceu um alfaiate famoso, da renomada fábrica de jeans, e instaurou uma moda pior ainda: mais que boca-de-sino, as calças eram pra ser longuíssimas, ficando todas dobrada amassada no pé. Lenhadorinha (ou ona?) ficou fula da vida, e pra encurtar a história (que convenhamos, tá mei ruim) liderou uma revolta popular socialista e instaurou o comunismo.
Pronto! chegamos na ideologia pura! tudo certo?
Acho que não, sabia? Acho que é mais fundo ainda.
Era uma vez uma população oprimida pela lei de não usar calças curtas. Pessoal às vezes tava calor, às vezes tinha que jogar bola ou fazer coisas que exigiam alongamento, e a calça travava. Quando as criança crescia era horror que deixar pescando-siri dá cadeia, coisa feia. Espontaneamente surgiu uma revolta das braba, e s'instalou o regime comunista lindo.
Não, ainda não. Fica simples demais.
Era uma vez uma lei contra o short. Muitos do povo se revoltavam, mas vinha servindo de desculpa para uma complexa ascensão dos alfaiates. O regime do jeans instaurava-se ideologicamente. Lenhadorona, vendo seu príncipe encantado levado pelos tiras, encarnou a revolta. A faísca acendeu o paiol, deu voz e rosto: mas lenhadorona foi executada em praça pública. Sentença: enforcamento por calças longuíssimas, e a repressão venceu. Fim.
Bem legal hein? Realista? Causando!!! É mas a criança não vai dormir. Que história de merda.
Então vamos terminar feliz: "... por calças longuíssimas. Acontece que o irmão dela, Lenhadorim, de caso com o alfaiate tal-coisinha, indignou; e na alfaiataria a costureira Xis tinha alergia a jeans, gostou; e nesse mesmo mês chegou na cidade - no reino - uma turba de foliões tocando o terror, desestabilizou; enquanto em paralelo teve duas ou três outras pessoas que também foram mortas e despertaram revolta..........MAS pra fins de mobilização, decidiu-se focar na Lenhadorona como mártir e PUM revolução digo golpe e transformação radical do Estado, num processo complexo e dinâmico...
Ah, devo dizer, de todos problemas e chatices (que depois dá pra ajustar), só comento uma coisa: que triste ter voltado ao messianismo pelo marketing. Que na verdade é a questão dessa história: como contar uma história descentrada? Sem líder sem herói, sem príncipe sem focar num personagem? Decapitar a história!!! Evidenciar que a história se faz pela massa, tanto a História mas de fato toda a vida tudo são massas coletivas ESPERA. Virou palestra, era pra ter piadinha, "porque só com humor se chega à verdade" (Platão). (Mentira).
Agora sim. Era uma vez uma lenhadora, os alfaiates quiseram impôr uma calça longa, ela chamou os amigo e tocaram terror, viva a mobilização, invadiro estado e começaro a mudar lei, foi dando outros caô principalmente com a invasão dos folião, PUM pousou uma nave alienígena, PLEI o pé de Zeus interveio na história, ah quer saber FLOUDase tá descambriolando tudo mesmo. Mas valeu a viagem, a criança já deve ter dormido. Mais uns ensaio e começa literatura arretada.
Só achei engraçado escrevê "shorts", aliás

domingo, 20 de outubro de 2024

De certa forma, entendo um segundo filho como uma repartição de poderes. Freios e contrapesos que garantem, estruturalmente, contra mimar o primogênito, superando qualquer estratégia voluntarista sobre filho único. Na dúvida e no desconhecimento ante o desafio que assoma - a boa condução destes prêmios e inibições, a educação, o tempo - jogamos uma carta radical: duplicados os alvos, desconcentrados os fantasmas, cria-se plural, impessoalizam-se rotinas, dispersam-se atenções excessivas. É que elas se tornam impossíveis. A solução pela estrutura, um recurso que sempre invoco, pensando, demiurgo, que é preciso modificar o mundo, modificar as condições do problema, mais do que insistir num enfrentamento desvantajoso.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

buscando a babá, como uma nova fronteira (descabaçar essa relação, descobrir essa nova droga, idealizada como um tempo infindo, como um retorno à vida sem cordão umbilical - vamos descobrir logo seus limites, seu grandesíssimo pesar, sua presença política acachapante) mas como é presente a demanda dos outros, de uma babá para aguentar seu não-sono, suas mamadeiras noturnas, seu descalabro no escuro
mas meu filho, será que fomos nós, isso? gosto de achar que sim, que não é só sorte na roleta da parentalidade - que existe, que é um caos (o que é o caos, o que é a sorte, como são ousados esses conceitos que tomamos como o grau zero da crença) - gosto narcisicamente (em tantos níveis) de achar que foi a relação paterna de impedir o vício no mamá noturno, de estar o pai a acalentá-lo em vez da mãe, sem o peito gotejante, "jorrando leite e mel", só vamos dormir e pronto. será que foi isso? e a rede, que os antigos queridos me insinaram lá onde fui? quando ele era um fejãozinho na barriga de mãe, a tormentá-la?
buscando a babá, quanta coisa penso ao redor de meu filho: se está ficando mimado, mesmo que inda seja apenas um molde sem quase humano ainda formado, se estão surgindo-lhe as sombras más, e preciso podá-las, se como é essa criação, a criação do mundo, que é criar, verbo coletivo e reflexivo, verbo que nos atravessa (não há sujeito, os verbos se conjugam antes da gente existir, e é sobre eles que a gente vai... eu ia dizer ossificando ou precipitando como metáforas, mas vendo aqui de frente um processo genuíno e tão rápido, posso ser mais preciso: nós vamos chegando, assumindo uma forma, tomando rosto...)
que delicia me reler e encontrar esse apoio: ainda que hoje eu não escreva, hoje eu seja apenas um que resolve tantas coisas no desafio de estar à altura de si mesmo, de enfrentar tudo que me propus e não sabia que seria deste tamanho, mas também: que já tive tanto tempo comigo, e agora então me entrego a ser dos outros, sem o mergulho nas letras, só sendo, só fazendo como mundana peça da engrenagem mundo de tantas coisas e deveres fazeres que sei eu. e daí então num respiro eu descubro, essas linhas traçadas de antes, de tantos antes e lembrar o mundo e o tempo, como é possível ter tanto tempo e não estar envolvido num torvelinho e pelo contrário estar apenas olhando a chuva cair chóóóóó e subir um cobertor

quinta-feira, 27 de junho de 2024

POR QUE SECO PRIMEIRO O ROSTO?

Quando saio do banho, num dia frio, a brisa mínima do banheiro já me faz agarrar a toalha, com ambas as mãos, para me secar o mais depressa possível. Mas em vez de me envolver nela, protegendo meu peito, pescoço, pulmão que sei eu - a primeira parte que eu seco é o rosto.
Serei só eu, ou todo mundo? Que importa, o fato é que é assim que eu faço. Um banho quente ou gelado, dá igual, um dia frio ou calorento, o rosto primeiro. É como se secar fosse sair da água, e óbvio fosse liberar boca e nariz primeiro. Secar primeiro o peito, então, como testei, mantém a sensação de imersão - e frio desprotegido - enquanto não seco o rosto.
De fato, conforme sobe o frio, subo a montanha ou o pólo e faz muito frio, vão subindo também as roupas, de baixo e de cima, partindo da genitália, para o torso, depois os membros, e os pés também, sapatos. Muito frio e vem redobrado, é mais camadas e surge o gorro, cachecol, as luvas (talvez de início com buracos para os dedos, e depois sem eles). O rosto é o último, e é o mais difícil de cobrir, máscaras e óculos.
É que o mapa do corpo não é bem como uma foto simples de anatomia. Ao perguntar os seus caminhos, o corpo inicia pelo rosto. E pelas mãos, pescoço, cabelos, e só em seguida o torso e tudo. Debaixo da terra irrompe um caule e folha, é o rosto saindo por sob camadas de roupa e de água, que alívio!
Mas será que, pelo bem da razão, o rosto devesse ser secado depois? Proteger peito e pescoço, calcular exatamente a batalha contra o frio, deixar sensações e tradições de lado. Qual o principal a ser secado? O rosto deve ser ignorado! Calando-me, obedeço à fria matemática de graus celsius. Se sinto frio posso cobrir o rosto, que importa visão e tantas manias?
Mas a razão que vem de baixo, do corpo, é maior e abarca esses filosofemas em um abraço cálido e felpudo. Imagens de anatomia e cálculos fahrenheit podem brincar de entender, mas o sangue corre pelas veias. O corpo não é sua imagem, ele é distorcido, e o rosto é tão grande e perigoso que eu preciso secá-lo primeiro, sob o risco de me afogar.
André