quarta-feira, 29 de novembro de 2023

O QUE SÃO, AFINAL, AS MAÇÃS?

Na minha opinião, o ditado inglês "an apple a day keeps the doctor away" é um grandíssimo exagero. Não deveria variar as frutas, para ter saúde? E aliás vem cá, não sou nenhum médico, mas não sei se está tão certo mantê-los longe. Diz outro ditado: mantenha amigos perto, e inimigos mais ainda (mas agora pensando, ESSE sim é um ditado bem estranho). Fica de qualquer forma a dúvida, o que é essa maçã que vai, cada dia, nos afastar da medicina?
Na verdade as maçãs, de um ponto de vista geral, na língua, são um conceito bem plástico (ainda que a fruta seja bem sólida). Não acho que minhas bochechas sejam maçãs no rosto, e se Adão comeu uma maçã, por que dizer "pomo" do meu gogó? Ficar transitando nas línguas é de deixar vesgo, pois tradução-tradição-traição-translação (dizem) são todas a mesma palavra, só mudando letrinhas: põe um bigodinho e a gente finge que não reconhece. Assim no fundo (na ante-língua do subconsciente) maçãs são pomos, e algo que estufa nosso rosto, mantendo longe (ou perto) o doutor - todo dia.
Daí no francês batatas são "pommes de terre", isto é, pomos (maçãs) da terra. Cara, não acho que tenha nada a ver. Batata é, pra resumir, algo que se come salgado. Talvez se eu botar sal na maçã... mas aí o doutor vai acabar se aproximando. Melhor frisar que é "a SWEET apple a day"... Enfim maçã, então, um comestível qualquer, até debaixo da terra.
E as outras frutas? Ainda no inglês, Pineapple = abacaxi, a maçã do pinho. Muita forçação. Assim tudo que é levemente, ou mesmo forçadamente, redondo - como um abacaxi é redondo? - agora é maçã? Não entendo o critério. Pinha pontuda - macia, comestível: maçã.
Poderia divagar nas referências folclóricas: a maçã para a professora, a que Branca de Neve comeu, a do amor na festa junina (realmente doce). Francamente, eu até acho saborosa uma boa maçã (não lembro se Fuji ou Gala, uma grandinha não muito encerada) suculenta, mas - admito - não curto tanto não. Comida pra quem está passando mal, sem casca, em raspinhas... Certamente não é ESSE o fruto do pecado (que é muito mais uma manga, rosa ou carlotinha, algo entre as duas). Tem gente que diz que o fruto do paraíso era uma romã - acho que é só pela estética daqueles caroços vermelhos. Será, em tudo, simplesmente a cor vermelha que fascina? Aliás romã em inglês pomegranate, pomo granada (de novo a maçã, agora explodindo em carocinhos).
E aquela história das macieiras serem sempre a mesma planta? Numa plantação, as novas macieiras não são filhas da planta anterior, são a própria macieira anterior, reproduzida pelos galhos. A mesma planta ramificada em uma escala impossível, todas com o mesmo DNA - isso me dá arrepios. Quando justo uma maçã caiu na cabeça do Isaac Newton, pera lá! Não confio para nada naquele ocultista perigoso. "Mas não vá comparar laranjas com maçãs"... Boas no suco verde, para adoçar, maçãs (boas nas tortas) para afastar a medicina só tendo algum mistério. Maçã: a mulher de quem? Nem uma palavra mais, prefiro banana.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

DAR BOM DIA APÓS A MEIA-NOITE

A civilização humana encontra-se à beira do colapso. A aurora das máquinas e do tempo moderno nos separou da natureza... O relógio vira os números em zero-zero, o ponteiro inclina-se em riste para o alto, o cuco badala em algum apartamento perdido: meia-noite. E a partir dessa hora, no escuro do breu, ouve-se, em resposta a um tímido e fraternal boa-noite, em um tom de correção severa: bom dia.
Estapafúrdio desejo de dar bom dia apressadinho, quase um desafio moral: já iniciei o dia, e vocês, ainda dormindo, ainda flertando com a cama. Eu, já de pé, trabalhando: bom dia.
E 12 horas depois, o relógio inteiro se girou, os ponteiros alçam-se novamente ao alto enquanto números mudam de am para pm: boa tarde?
É o caralho, darei bom dia o dia inteiro. E se sentir escuro darei boa-noite, essa é minha política naturalista.
E por acaso os dias não incluem a noite? "Naquele dia, à noite..." então vou dar bom dia o dia inteiro, 24 horas de bom-dia ininterrupto, misturando-me aos moralistas da madrugada estarei varando bom-dias mas num dia único: numa terra que não gira, meu cumprimento ergue-se ao sol e nele fica, minha língua solar, bom dia!
Como dizer "hoje" após a meia-noite e ficar sem saber de quando se fala, ou pior ainda "amanhã": acabe-se, língua! Quero apenas a luz como marco do tempo. Limbo ao calendário, não vou nem falar em horário de verão. Sentir o tempo na pele queimando sol.
Nunca escrevi cartas a papel (que eu me lembre, talvez os adultos mo tenham forçado na infância ignota) então por mim o bucólico é mandar emails, que inicio, romântico: "bom dia..." "boa tarde..." segundo a hora que escrevo. Mesmo que só vão me ler à alvorada, ou dez dias (e noites) depois: "Bom dia, favor não enviar SPAM, grato". Boa tarde.
Mal dia, bom dia, médio dia e tarde noite madrugada alvorecer mormaço breu, o céu cheio de cores e eu só ligado num interruptor. Que sono, que importam os extremos das 12 horas se neles durmo como um rochedo ou almoço copiosamente a ponto de perder-me do tempo, orgias soníferas e gulosas no alto do ponteiro: eis-me aqui em paz, finalmente, com o sol.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

BISCOITO OU BOLACHA?

Revisitando a eterna polêmica, dei por mim questionando os fundamentos técnicos do debate. Quem anda pelas ruas de Atenas há de comprar numa lojinha um μπισκότο, o mpiskóto que traz esse argumento (chiquérrimo) da origem grega. Biscoito: do grego, Biscoito!
Olhando mais de perto, que charlatanice, pois os radicais não são gregos, são latinos: bis (duplo) coito (cozimento) é o "bicozido". Agora em vez de adentrarmos em detalhes de fabricação, vamos admirar só isto: que seja uma palavra, biscoito, que anuncia seu processo de fabricação. Não são muitas que fazem isso! Como comer um assado, ou um cozido; ou tomar uma batida, vestir um tecido; comer uma torrada, um biscoito. Haverá outras? Que beleza essa língua, que beleza de lógica...
E a bolacha? Ignorando raízes latinas, e toda etimologia empoeirada, a bolacha, palavra genuinamente autóctone, brasileira! Sem significado algum, pura poesia do inconsciente coletivo, da deriva da língua... Ou será que não? Terá ela, sim, um parentesco com o bolo? Como a bombacha do gaúcho, para a bomba com que ele suga o mate; está a bolacha do paulista, para o bolo de padaria...
Bolacha, um bolo com chá no fim. Ou uma bola? Que é essa raiz da bola, toda embolada, bololô que se atira feito boliche na nossa língua, embolachando nas bochechas? Como a borracha para a borra, a bolacha! Como o cochicho para o cocho, a bolacha! A galocha para o galo, a bolacha!
Voltamos ao bicozido, pensando se não cozeram (costuraram?) demais nossos miolos (já não damos trato às bolas) - não seria melhor parar mais cedo, e tirar ele al dente? E agora vem cá, biscoito não é cozido, é assado! Já sei, é porque é na cozinha, mas então vamos falar às claras: coito é de fuder, se eu cozinho eu não lavo; biscoito, e o que será o coitado, senão o objeto do coito?
Mas ora bolas e bolachas, tanta etimologia lorota, já chega desses argumentos! O bom mesmo é chiar o S fazendo BIS BIS como BISTECA, BISNAGUINHA. Convenhamos, a língua é toda pelo gosto - que não se discute, velha questão do saber-sabor. BISBILHOTAR, BISTURI, BISAVÓ... e então caramba, bisavó é a bi-avó (embora seja só 1,5 x avó) e sabemos que trisavó é uma tolice, pois o certo é TATARAVÓ, e agora cremos, definitivamente, ter biscoitado nosso cérebo, ou melhor, tataracoito ele. Tomar no cookie; brigar biscoito por bolacha só podia dar em baixaria.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Estou um caco. Fico repassando na cabeça coisinhas que eu poderia fazer, para sair dessa sensação. Fazer a minha série de ioga, me alongar. Dar um pulo na praia (está sol - não tenho tempo). Escrever pensamentos no caderninho, descrever o que está tendo esses dias. Escrever no Albatroz, no teclado, um texto longo (foi a receita que me dei, uns dias atrás, voltar ao ritmo semanal de ordenha). Ligar pra alguém, ou mandar áudios: e fico listando quem poderia ser, e imaginando a conversa (imagino voltar à análise, imagino cumprir minha listinha de tarefas, imagino seguir lendo a ilíada, imagino que não lembro mais como relaxo). "O que eu faço?" eu perguntava à minha mãe, entediado, quando era criança.
Fiquei tentando meditar agora, foi bom. Mas não tira a sensação de pressão no corpo. Claro que existe pior... Só que tem um desgaste, um prolongamento desgastante aí... Tem que não sei onde estou indo, dá uma sensação perdida, andando no escuro, sem mapa... Sensação de não estar andando, de estar afundando por burrice minha. Jogando tempo fora, desperdiçando meus dias. Não estar realmente presente em lugar algum. Tantos projetos, nenhum projeto. Seguindo ao sabor da maré. Horizonte curtíssimo embrulhado nas demandas mais detalhistas do que tem pra fazer hoje. E inda tem essa questão de doutorado, de orfandade acadêmica, de dúvida sobre toda a base teórica em jogo, e o artigo que fico escrevendo nas horas vagas é tão extremo nesse flerte com o niilismo, me aflige com sua ameaça total. E fico tentando laboriá-lo, resolver minhas preocupações pelo aprofundamento analítico delas, pelo mapeamento da questão. Se eu tivesse um mapa! E quando levanto os olhos do papel, estou em casa, passei 15 minutos afastado e já estou culpado, a alma dividida em um dever meio vago, onipresente e extremamente ocioso, mas que não solta. Sigo tentando manter a moral, a gincana de médicos, a insistência nessa amamentação sofrida e tão tão espaçosa. Esse bebê tão espaçoso. Essa noite dormiu em cima de mim, por uma boa uma hora, e eu pensando que quando tiver maior, ainda vai dar, mas quando estiver maior ainda, vou ter saudade. Ontem tentando extrair o máximo de malhação da aula de pilates, para aguentar esse tranco. Dias intensos, como sempre digo, e cada vez sinto isso, muito. Dias intensos.