terça-feira, 9 de novembro de 2021

Do nariz

Vacinado, encontro amigos, tiro a máscara, patati patatá entre cuspes e lambidas, eis que sinto frio no nariz.

Saco a máscara do bolso e sou escorraçado como incoerente. Meu nariz, meu doce nariz (oh obra-prima pontuda), por que não posso te cobrir, independente dos micróbios?
Quero cobrir-me a face como um eco perdido de burkas, cobrir-me o rosto com um véu. Oh! por vergonha dos lábios tremendo, sim, por pudor do hálito e do bigode. Como um antigo, os cabelos ocultos sob o chapéu, e as boas maneiras de retirá-lo, respeitoso. Pois por respeito a ti, pelo resguardo da intimidade, me guardarei da tua leitura labial, abafarei minha voz. Em nome do nariz quentinho, ah, não me venham com teorias de contágio, estou falando da moda, da moda imperiosa e suas repressões; estou falando do véu, e da nudez!
Já tínhamos a máscara! Era meu protesto lacrimogênio. Vândalos mascarados rebentam vidraças de bancos e somem no anonimato. Mas hoje as máscaras estão invertidas, chegamos ao oriente. Pois a babilônia subiu mais um degrau, avançando as roupas e sua nudez imantada: moral repressora, e no reverso, tímida luxúria dos narizes tocando, com um leve roçar. De volta à vergonha e a intimidade, erguemos burqas como princesas ocultam a beleza proibida, e os olhos pulsam de personalidade.
Assim vestido e desvestido, frequento a máscara como um boné, tirando e botando, e botando certo e errado, para horror da moda e todo seu arsenal bélico. Que a nudez se funda em violências e proteções, e cada escudo se torna também um fecho a desatar: tiro-te a máscara para um beijo rápido, a pele desacostumada ao vento e ao sol, tua pele protegida apenas para mim: cueca, calcinha da face!
Um novo patamar do beijo, eletrizado: tesão louco de te ver narinas-boca, descobrir-te dentes que talvez sorriam: a face desbanalizada como pura intimidade - e daí à autoridade de ignorar a lei do véu, como um bruto mijando em público, e impôr inteiramente o rosto no vagão. Alto lá! Peguem-no!

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