I
De primeiro, Lara buscava sempre as etiquetas nas roupas que olhava. A lingueta para fora, da camisa de seu amigo Lucca, nessa manhã ela puxou, bisbilhoteira, enquanto ele dormia na aula.
- Ai! ele gritou, sua maluca!
Mas ela nem-ligava, refestelando-se na curiosidade: 100% algodão, lavagem isso e isso, feita na china ou sei mais onde e era isso, precisamente isso que atormentara seu coraçãozinho de desejo ao vê-lo se gabar, na hora do recreio:
- Olha Lara, minha camisa nova!
Nas casas, olhava logo o número, o buraco das cartas, aquilo que lhe revelava. O número do sapato, o buraco do linho, a casa do botão. E no seu pequeno caderninho, ela anotava o resultado de suas calculações.
- Como se chama esse rio? perguntava Lara, em um passeio no campo. Já estamos em Rivadalvia?
Seus olhinhos buscavam, aflitos, qualquer indício, uma mínima plaquinha que revelasse o nome de onde estava. Que rua é esta?
II
Na cidade de Mármara, capital da província dos Sete Lagos, os cidadãos um dia decidiram dar um basta na desorganização. Seja porque fossem muito esquecidos, ou por falarem tantas línguas, dialetos, gírias e apelidos, para não mencionar seu forte sotaque e a mania incontrolável de introduzir ditados e expressões populares a cada duas sentenças - ou seja simplesmente pela gritante abundância de objetos e artigos de que deviam se ocupar e anunciar, fato é, que por qualquer combinação destes fatores, viviam enfurnados até o pescoço numa total confusão de pertences depositados uns nos lugares dos outros, e nunca sabiam achar o que procuravam, tendo estantes e armazéns dedicados inteiros a isto, mas sempre cheios de coisas e apetrechos valiosos de não se sabe quem.
Fosse por isto, ou por simples capricho daquela manhã de junho, quando o clima ameno lhes deixava mais dispostos a uma empreitada de grande monta, como esta deveria indubitavelmente ser; seja por que azar do destino ou seguimento dos astros, que naquela manhã de junho despertara irrequieto, ou com a pulga atrás da orelha, como se costuma dizer; eis que os cidadãos de Mármara se reuníram em polvorosa, primeiro na prefeitura, e a seguir na praça até ocuparem mesmo o grande pasto que ali perto havia, pois só aí caberia o grande número dos que naquela manhã acudiam; e ali tomaram a resolução de pôr um fim à sua desorganização, como eles mesmos a chamavam, e de uma vez por todas, principiar uma era ordeira de paz e tranquilidade.
- Meus caríssimos e caríssimas concidadãs - mas onde está o microfone? - minha pequena cidadica - mas onde meti o discurso? - E tudo isto se passava mesmo sem que o povo soubesse onde se enfiara seu prefeito.
Pois era assim a vida: tantas crianças que as mães não achavam os filhos, e lhes punham os nomes idênticos para o caso de se trocarem mal ninhum não se causar. Acontece que o plano vinha se formando já há tanto, aos trancos e barrancos, esquecimentos e distrações, que se enraizara na mente de todos, e não foi necessário encontrar o prefeito, o microfone ou o discurso, quando um tal senhor Mascarpoulos pediu a fala para agrado geral e assim esclareceu:
- Nosso problema é que está tudo guardado em lugares diferentes, e nunca sabemos na casa de quem procurar. Se não acho um pé do meu sapato, e não sei encontrá-lo nos meus aposentos, já saio a desconfiar da cidade inteira até encontrá-la perdida no quarto do filho do meu vizinho; mas o quê eu estava procurando mesmo? E assim se passam todos os dias!
-
Anabatroz adré Laranha
Nenhum comentário:
Postar um comentário