domingo, 6 de março de 2022

Recapitulemos portanto o período 1997-2000, 1998 a transição para o segundo mandato de FHC, e sobretudo os grandes enfrentamentos de 1999.
Nestes anos, o câmbio fixo instituído com o Real desde 1994 vai sendo prorrogado a um ponto cada vez mais insustentável no balanço externo. Enquanto isso, avança o programa de privatizações em grandes setores de indústria pesada: petroquímico, siderúrgico, elétrico, transportes; aliada à abertura à participação do capital estrangeiro. Os bancos privados passam pelo PROER em 1995 ditando muitas fusões e incorporações, concentrando o mercado; os bancos estaduais começam a ser privatizados iniciando com o Banerj em maio/1997 e acordos em torno do Banespa. Nesse contexto é aprovada em junho a EC 16/97 permitindo a reeleição; o PSDB detém a presidência e o governo de RJ, MG e, é claro, SP, além de aliados em RS e BA.
O PROES privatizando os bancos estaduais deslanchará em 1997 a reboque da instituição dos Programas de Ajuste Fiscal (PAFs) ao abrigo da Lei 9.496/97 com prazo para os acordos até abril/1998. Todos os estados assinam acordos de PAF dentro do prazo, com atraso de alguns meses do RS. Mas o RJ não consegue entrar, e o pré-acordo assinado pelo governador do PSDB Marcelo Allencar, assim como o que ele fizeram pelo Banerj, parecem piores do que o feito no restante da federação. O Banerj fora dividido em dois, vendida a parte "boa" ao Itaú por moedas podres da privatização do setor elétrico (a parte "ruim", o "Berj", manterá a folha de funcionários e alguns passivos, num limbo até 2011 ser vendida por Cabral ao Bradesco).
1999 se inicia com o ex-presidente Itamar Franco assumindo o governo de MG e já em janeiro decretando suspensão de pagamentos à União. Com este impasse, a frágil situação cambial é detonada, cai o presidente do BC Gustavo Franco em uma reorganização que culminará com a posse de Arminio Fraga em março, instituindo em junho o Regime de Metas (que vigora até hoje) e o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas de inflação, e de superávit fiscal). No plano interno, Itamar logo sofre arrestos da União em suas receitas, desatando celeuma judicial; e no mês seguinte junto aos demais governadores de oposição assina uma "Carta de Porto Alegre", reivindicando mais autonomia financeira e fiscal.
O ano de 1999 transcorre então com o avanço de privatizações e o alívio de caixa por elas proporcionado para os estados, enquanto FHC tenta desmobilizar a criação de uma frente de governadores. Itamar ficará até o ano seguinte no tensionamento, chegando a colocar a PM-MG para impedir a privatização de centrais elétricas - o que será crucial para manter Furnas e Eletrobras, além da mineira Cemig, como estatais. Em paralelo, estados menores como Pernambuco e Alagoas precisam de ajuda com dívida mobiliária estadual emitida após 1993 (ano de sua proibição) por uma brecha na lei; a Lei Kandir, assim como a Desvinculação de Receitas da União da época, retiram receitas estaduais; o novo Fundef transfere orçamento aos municípios.
Mas em 1999 quem tomará a cena, na oposição feita pelos governadores, será o governador do RJ pelo PDT, Anthony Garotinho. Acontece que o RJ ainda estava com rabo preso à negociação básica da dívida do estado, em fraca posição de barganha, portanto. Em meados do ano, após muita pressão, uma MP abre novo prazo para instituição de PAF, que RJ e Brasília utilizarão, enquanto em março o Senado concordara desfazer o antigo pré-acordo PAF do RJ. Para aderir ao PAF em outubro, já sem ter o que vender, o RJ faz a primeira securitização de seus Royalties do petróleo, entregando os direitos futuros para a União.

O atraso na entrada do RJ então é essencial para, após a eleição de 1998, o governo federal enfrentar os novos governadores, tendo um dos principais estados opositores amarrado ainda a um passivo insustentável, com baixas condições de barganha. A posição de força de Itamar, que desde a Carta de Porto Alegre defendia o enfrentamento de FHC em bloco, é dissipada pela cooptação dos demais estados. No início de 2000, com RJ já incluído, Itamar cede a pagar a dívida; a LRF é assinada em maio. 

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