Se em geral as teorias partem de uma unidade, e pensam sua relação com um coletivo alheio, a teoria do federalismo, com sua reunião voluntária de regiões escapa ao modelo simples da cidade-estado, ou do estado unitário: é preciso introduzir as escalas de articulação regional.
Para uma teoria do regionalismo, já foi tentada a teoria centro-periferia. Esta trata de um sistema global com países centrais, donos do capital financeiro de que nós,
periferia, pegamos empréstimos (até pelas nossas importações). Trata do mercado monetário internacional, em que somos sujeitos a baixas cíclicas na taxa de juros e na oferta creditícia decididas pelo centro global. No regionalismo interno ao Brasil já foi tentado utilizar o mesmo referencial.
No entanto, a dependência criada nas relações externas é muito distinta das dependências internas em um país, isto é, em uma mesma área fiscal-monetária. Por mais que haja discussões históricas sobre o diferencial de acesso a crédito em diferentes regiões do país, e a ideia de uma região sugar fundos da outras; a unificação monetária, da taxa de câmbio a ela relacionada, e do sistema fiscal nele impresso é que medeiam a relação de toda a região, via unidade de conta, ao comércio internacional.
De fato, a unificação monetária nas mãos de um banco central controlador de uma taxa de juros é uma situação institucional relativamente recente na história mundial. O Brasil teve uma longa história de tensionamentos e rupturas com o Padrão-Ouro, para decretar soberania monetária em 1933 (Franco, 2017) e defendê-la contra a dolarização que se abateu sobre seus vizinhos. O Brasil, na América Latina, é hoje um país que goza de um elevado grau de soberania monetária, e atua de certa forma como um país central frente a seus vizinhos ainda mais periféricos: possui bancos que endividam e multinacionais que vêm investir.
Mas voltando à dependência criada entre as regiões internas do país, internamente, por conta da unificação monetária, a relação de São Paulo com o Nordeste sempre foi de outra natureza. Tal constatação foi defendida por Wilson Cano (1975, 1981) que assinalava as complementariedades de um mercado nacional, e a constatação das possibilidades de desenvolvimento autônomo de regiões periféricas com diferentes níveis de "atraso".
A complementariedade das regiões é bem aprofundada na "Crítica à Razão Dualista" de Francisco de Oliveira (1972). O desenvolvimento capitalista interno ao país, dada a sua inserção cambial no mercado internacional, guardava uma relação de simbiose entre os setores "moderno" e "atrasado" do país, que se manifestava por diversos canais - seja por geração de divisas, a estruturas escalares do federalismo.
Nada disso é abordado na teoria monetarista, baseada na abolição institucional do banco desenvolvimentista sem restrição de endividamento, e em ignorar a importância dos assuntos de intervenção monetária. Enquanto isso, a teoria estruturalista latinoamericana, desde o clássico ensaio do argentino Raúl Prebisch (1949), advoga a essencialidade, tanto da coligação de regiões periféricas em blocos regionais, como também da política monetária ativa em termos de crédito (a começar pelo crédito público), para superação da condição periférica e concretização do desenvolvimento autônomo.
Ainda assim, o diagnóstico do "centralismo monetarista" foi o núcleo vencedor das reformas institucionais levadas a cabo nos anos 1980 e 1990, e redator da história econômica do período. Esta história econômica, vista da distância de um "Keynesianism vs. Monetarism in economic history", é apenas mais um caso de extremismo do pólo metalista, contra o pólo papelista; até cair num dualismo tão extremo que perca sua funcionalidade. Mas foi com este simplismo que foram reformados o sistema tributário, as estatais, e decidida a gestão dos passivos. Este simplismo a todo tipo de corte justificava, e a nenhuma despesa pública defendia; de fato, faltassem os impostos, deveriam ser extintas as despesas, sendo o crédito (a orientação ativa do sistema, para dar-lhe rumos) sempre visto como um erro.
Foi feita a reforma federativa do sistema de acesso a crédito, pela sua extinção para os estados somada à imposição de pagamentos de dívidas equivalentes a "fatores previdenciários" da repartição de receitas. Fazia-se assim uma grande reorganização de passivos, reorganizando as capacidades futuras de despesa. Assim, reorganizou-se o acesso ao crédito público, na medida em que toda permissão de despesa pública é uma impressão de dívida, pois aumenta o ativo do setor privado; e todo imposto sua supressão - sendo as transferências intra- mas também inter-orçamentárias meras ficções contábeis internas ao setor público, sem utilizar o acesso a crédito ilimitado que significa sua soberania monetária.
Tal reorganização exprimiu forte caráter regional, pesando nas regiões centrais. Pelo desenho das instituições tributárias, do regime administrativo e previdenciário do funcionalismo, pela distribuição regional dos passivos urbanos (deseconomias de aglomeração sem infraestrutura), e dos ativos ambientais, das potencialidades regionais, o Brasil assumiu fortemente uma hegemonia deslocada dos antigos centros. A capitalidade de Brasília se firma com a decadência das antigas indústrias e a ascensão do Novo Oeste, confirmada pela dominância do Senado e, em última instância, na própria política econômica da União.
A redistribuição de passivos entre União e estados, pautava-se em culpabilizar comportamentos passados, e impor cortes generalizados, "homogêneos" e "isonômicos" ignorando por completo as assimetrias dos próprios desenhos constitucionais em jogo, assim como das relações econômicas das regiões e seu poderio político.
Em suma, incompreendia-se a característica do federalismo de tratar de dois níveis de governo para um único território (e não para dois territórios diferentes). Isto é recorrente ainda hoje em documentos oficiais: acusam o Governo do Estado do RJ de causar um ônus à União "ou seja, ao resto do país". Por participar da Federação, o território do RJ compõe tanto o Governo do Estado, quanto a União - isto é, também o território do RJ arca com o ônus de seu Governo do Estado, através da União. Assim, no federalismo, as repartições tributárias entre os entes tanto são transferências entre territórios e regiões distintas (e portanto estados distintos) como repartições internas a um mesmo território, em sua repartição escalar do Erário.
Operou-se portanto uma reforma de forte centralismo federativo, ignorando apelos constitucionais por descentralização estadual - que antes haviam ocasionado a própria abertura política, mas que foram sufocados nos 1990 no presidencialismo municipalista que se instalou. A justificativa econômica ignorava o redesenho do acesso a crédito então planejado, com a imposição de austeridade nos estados das regiões centrais, e certa benesse de estados de menor expressão.
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Menos FMI-BR, mais OMC-BR
Como a subordinação da Lua em relação à Terra escapa à subordinação da própria Terra ao Sistema Solar (assim como os anéis de Saturno, as luas de Júpiter) - é possível uma escala intermediária de articulação entre regiões do planeta (as ilhas, a costa, o interior), anterior à distância global.