sábado, 19 de março de 2022


um avestruz num balão
um balão debaixo da terra, e um avestruz sobre ele
uma ave que estruz, avestruz

ave (voraz vírgula) 

domingo, 6 de março de 2022

Recapitulemos portanto o período 1997-2000, 1998 a transição para o segundo mandato de FHC, e sobretudo os grandes enfrentamentos de 1999.
Nestes anos, o câmbio fixo instituído com o Real desde 1994 vai sendo prorrogado a um ponto cada vez mais insustentável no balanço externo. Enquanto isso, avança o programa de privatizações em grandes setores de indústria pesada: petroquímico, siderúrgico, elétrico, transportes; aliada à abertura à participação do capital estrangeiro. Os bancos privados passam pelo PROER em 1995 ditando muitas fusões e incorporações, concentrando o mercado; os bancos estaduais começam a ser privatizados iniciando com o Banerj em maio/1997 e acordos em torno do Banespa. Nesse contexto é aprovada em junho a EC 16/97 permitindo a reeleição; o PSDB detém a presidência e o governo de RJ, MG e, é claro, SP, além de aliados em RS e BA.
O PROES privatizando os bancos estaduais deslanchará em 1997 a reboque da instituição dos Programas de Ajuste Fiscal (PAFs) ao abrigo da Lei 9.496/97 com prazo para os acordos até abril/1998. Todos os estados assinam acordos de PAF dentro do prazo, com atraso de alguns meses do RS. Mas o RJ não consegue entrar, e o pré-acordo assinado pelo governador do PSDB Marcelo Allencar, assim como o que ele fizeram pelo Banerj, parecem piores do que o feito no restante da federação. O Banerj fora dividido em dois, vendida a parte "boa" ao Itaú por moedas podres da privatização do setor elétrico (a parte "ruim", o "Berj", manterá a folha de funcionários e alguns passivos, num limbo até 2011 ser vendida por Cabral ao Bradesco).
1999 se inicia com o ex-presidente Itamar Franco assumindo o governo de MG e já em janeiro decretando suspensão de pagamentos à União. Com este impasse, a frágil situação cambial é detonada, cai o presidente do BC Gustavo Franco em uma reorganização que culminará com a posse de Arminio Fraga em março, instituindo em junho o Regime de Metas (que vigora até hoje) e o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas de inflação, e de superávit fiscal). No plano interno, Itamar logo sofre arrestos da União em suas receitas, desatando celeuma judicial; e no mês seguinte junto aos demais governadores de oposição assina uma "Carta de Porto Alegre", reivindicando mais autonomia financeira e fiscal.
O ano de 1999 transcorre então com o avanço de privatizações e o alívio de caixa por elas proporcionado para os estados, enquanto FHC tenta desmobilizar a criação de uma frente de governadores. Itamar ficará até o ano seguinte no tensionamento, chegando a colocar a PM-MG para impedir a privatização de centrais elétricas - o que será crucial para manter Furnas e Eletrobras, além da mineira Cemig, como estatais. Em paralelo, estados menores como Pernambuco e Alagoas precisam de ajuda com dívida mobiliária estadual emitida após 1993 (ano de sua proibição) por uma brecha na lei; a Lei Kandir, assim como a Desvinculação de Receitas da União da época, retiram receitas estaduais; o novo Fundef transfere orçamento aos municípios.
Mas em 1999 quem tomará a cena, na oposição feita pelos governadores, será o governador do RJ pelo PDT, Anthony Garotinho. Acontece que o RJ ainda estava com rabo preso à negociação básica da dívida do estado, em fraca posição de barganha, portanto. Em meados do ano, após muita pressão, uma MP abre novo prazo para instituição de PAF, que RJ e Brasília utilizarão, enquanto em março o Senado concordara desfazer o antigo pré-acordo PAF do RJ. Para aderir ao PAF em outubro, já sem ter o que vender, o RJ faz a primeira securitização de seus Royalties do petróleo, entregando os direitos futuros para a União.

O atraso na entrada do RJ então é essencial para, após a eleição de 1998, o governo federal enfrentar os novos governadores, tendo um dos principais estados opositores amarrado ainda a um passivo insustentável, com baixas condições de barganha. A posição de força de Itamar, que desde a Carta de Porto Alegre defendia o enfrentamento de FHC em bloco, é dissipada pela cooptação dos demais estados. No início de 2000, com RJ já incluído, Itamar cede a pagar a dívida; a LRF é assinada em maio. 

sexta-feira, 4 de março de 2022

Teorias econômicas do federalismo

Se em geral as teorias partem de uma unidade, e pensam sua relação com um coletivo alheio, a teoria do federalismo, com sua reunião voluntária de regiões escapa ao modelo simples da cidade-estado, ou do estado unitário: é preciso introduzir as escalas de articulação regional.

Para uma teoria do regionalismo, já foi tentada a teoria centro-periferia. Esta trata de um sistema global com países centrais, donos do capital financeiro de que nós, periferia, pegamos empréstimos (até pelas nossas importações). Trata do mercado monetário internacional, em que somos sujeitos a baixas cíclicas na taxa de juros e na oferta creditícia decididas pelo centro global. No regionalismo interno ao Brasil já foi tentado utilizar o mesmo referencial.
No entanto, a dependência criada nas relações externas é muito distinta das dependências internas em um país, isto é, em uma mesma área fiscal-monetária. Por mais que haja discussões históricas sobre o diferencial de acesso a crédito em diferentes regiões do país, e a ideia de uma região sugar fundos da outras; a unificação monetária, da taxa de câmbio a ela relacionada, e do sistema fiscal nele impresso é que medeiam a relação de toda a região, via unidade de conta, ao comércio internacional.
De fato, a unificação monetária nas mãos de um banco central controlador de uma taxa de juros é uma situação institucional relativamente recente na história mundial. O Brasil teve uma longa história de tensionamentos e rupturas com o Padrão-Ouro, para decretar soberania monetária em 1933 (Franco, 2017) e defendê-la contra a dolarização que se abateu sobre seus vizinhos. O Brasil, na América Latina, é hoje um país que goza de um elevado grau de soberania monetária, e atua de certa forma como um país central frente a seus vizinhos ainda mais periféricos: possui bancos que endividam e multinacionais que vêm investir.
Mas voltando à dependência criada entre as regiões internas do país, internamente, por conta da unificação monetária, a relação de São Paulo com o Nordeste sempre foi de outra natureza. Tal constatação foi defendida por Wilson Cano (1975, 1981) que assinalava as complementariedades de um mercado nacional, e a constatação das possibilidades de desenvolvimento autônomo de regiões periféricas com diferentes níveis de "atraso".
A complementariedade das regiões é bem aprofundada na "Crítica à Razão Dualista" de Francisco de Oliveira (1972). O desenvolvimento capitalista interno ao país, dada a sua inserção cambial no mercado internacional, guardava uma relação de simbiose entre os setores "moderno" e "atrasado" do país, que se manifestava por diversos canais - seja por geração de divisas, a estruturas escalares do federalismo.
Nada disso é abordado na teoria monetarista, baseada na abolição institucional do banco desenvolvimentista sem restrição de endividamento, e em ignorar a importância dos assuntos de intervenção monetária. Enquanto isso, a teoria estruturalista latinoamericana, desde o clássico ensaio do argentino Raúl Prebisch (1949), advoga a essencialidade, tanto da coligação de regiões periféricas em blocos regionais, como também da política monetária ativa em termos de crédito (a começar pelo crédito público), para superação da condição periférica e concretização do desenvolvimento autônomo.
Ainda assim, o diagnóstico do "centralismo monetarista" foi o núcleo vencedor das reformas institucionais levadas a cabo nos anos 1980 e 1990, e redator da história econômica do período. Esta história econômica, vista da distância de um "Keynesianism vs. Monetarism in economic history", é apenas mais um caso de extremismo do pólo metalista, contra o pólo papelista; até cair num dualismo tão extremo que perca sua funcionalidade. Mas foi com este simplismo que foram reformados o sistema tributário, as estatais, e decidida a gestão dos passivos. Este simplismo a todo tipo de corte justificava, e a nenhuma despesa pública defendia; de fato, faltassem os impostos, deveriam ser extintas as despesas, sendo o crédito (a orientação ativa do sistema, para dar-lhe rumos) sempre visto como um erro.
Foi feita a reforma federativa do sistema de acesso a crédito, pela sua extinção para os estados somada à imposição de pagamentos de dívidas equivalentes a "fatores previdenciários" da repartição de receitas. Fazia-se assim uma grande reorganização de passivos, reorganizando as capacidades futuras de despesa. Assim, reorganizou-se o acesso ao crédito público, na medida em que toda permissão de despesa pública é uma impressão de dívida, pois aumenta o ativo do setor privado; e todo imposto sua supressão - sendo as transferências intra- mas também inter-orçamentárias meras ficções contábeis internas ao setor público, sem utilizar o acesso a crédito ilimitado que significa sua soberania monetária.
Tal reorganização exprimiu forte caráter regional, pesando nas regiões centrais. Pelo desenho das instituições tributárias, do regime administrativo e previdenciário do funcionalismo, pela distribuição regional dos passivos urbanos (deseconomias de aglomeração sem infraestrutura), e dos ativos ambientais, das potencialidades regionais, o Brasil assumiu fortemente uma hegemonia deslocada dos antigos centros. A capitalidade de Brasília se firma com a decadência das antigas indústrias e a ascensão do Novo Oeste, confirmada pela dominância do Senado e, em última instância, na própria política econômica da União.
A redistribuição de passivos entre União e estados, pautava-se em culpabilizar comportamentos passados, e impor cortes generalizados, "homogêneos" e "isonômicos" ignorando por completo as assimetrias dos próprios desenhos constitucionais em jogo, assim como das relações econômicas das regiões e seu poderio político.

Em suma, incompreendia-se a característica do federalismo de tratar de dois níveis de governo para um único território (e não para dois territórios diferentes). Isto é recorrente ainda hoje em documentos oficiais: acusam o Governo do Estado do RJ de causar um ônus à União "ou seja, ao resto do país". Por participar da Federação, o território do RJ compõe tanto o Governo do Estado, quanto a União - isto é, também o território do RJ arca com o ônus de seu Governo do Estado, através da União. Assim, no federalismo, as repartições tributárias entre os entes tanto são transferências entre territórios e regiões distintas (e portanto estados distintos) como repartições internas a um mesmo território, em sua repartição escalar do Erário.

Operou-se portanto uma reforma de forte centralismo federativo, ignorando apelos constitucionais por descentralização estadual - que antes haviam ocasionado a própria abertura política, mas que foram sufocados nos 1990 no presidencialismo municipalista que se instalou. A justificativa econômica ignorava o redesenho do acesso a crédito então planejado, com a imposição de austeridade nos estados das regiões centrais, e certa benesse de estados de menor expressão.

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Menos FMI-BR, mais OMC-BR

Como a subordinação da Lua em relação à Terra escapa à subordinação da própria Terra ao Sistema Solar (assim como os anéis de Saturno, as luas de Júpiter) - é possível uma escala intermediária de articulação entre regiões do planeta (as ilhas, a costa, o interior), anterior à distância global.