Neste país que era uma pedra em meio ao deserto, e um céu escuro plúmbeo como noite de trovões pesados, a rocha era cortada por caminhos feito fatias lhe subindo, e em meio à rocha havia uma porta colada ao seu umbral de aço, inclinada para um buraco, dando num túnel torto. No fundo deste salão cinzento e quente, abafado, Mestre Odara ia começar a grande batucada, e os músicos e todos se achegavam com tambores e atabaques; eu me aproximava de mansinho, ruim que sou.
Mas era também hora do almoço, e vinham chegando os pratos como cuias imensas cheias de salada de repolho e cenoura com molhos, além de tantos quitutes a curry forte e outras vasilhas com mais coisas boiando suculentas, os amigos iam se esbanjar cada um com uma dessas bacias - e sumiam, pesados, nesse final da manhã. Apenas eu, que sentia enjoos e barriga cheia, mal provava do almoço e me achegava a Odara, que vinha passando o toque básico, em seus meandros. Mal consegui imitá-lo, mas, único ouvinte, me acheguei e ele se lembrava de mim: estava mais velho mais sugado mais magro, e se possível ainda mais exímio; me interjeitou duas frases e insatisfez da resposta; mas abriu seu caderno com tantos toques, corrigindo ali uma notação.
Era uma notação de pontilhados monoespaçados em fileiras que formavam o desenho de um cubo, e ele ligava alguns pontos conforme o toque. Eu exclamava, da necessidade de mostrar isso ao Fonte, a notação verdadeira da batucada, e a página do caderno era isso de cubos de pontos e algumas ligações anotadas.
O público, se havia - além das transmissões gravadas para projetar no lado externo, em meio ao deserto e vigas de aço levantadas em andaimes como num show arruinado - o público na caverna era do povo local, enquanto os turistas gringos se fartavam na comida e sesteavam numa paródia da Pedra do Sal. O público local, então, era uma visão pavorosa.
A caverna era um túnel de mineração, de metais pesados e ouro líquido que subia em poças revoltosas, os homens ficavam com a pele coberta dos metais cancerígenos, e custavam se limpar: eram homens e mulheres compridos e magros, deformados com a pele manchada, muitos sem dedos ou mãos ou tantas outras partes removidas que depois entendi por quê, andavam como sombras trajando trapos e mergulhando no breu para cavar a triste pedra até desfalecer. O metal mais precioso, pelo roçar do corpo nas paredes, ia sedimentando em partes internas da pele, no punho, no peito, nos dentes, e quanto formava cristais grossos e perfeitos o povo se mutilava num frenesi contente de riqueza e perdição. Um que estava ao meu lado tinha na mão como uma pirâmide prateada apontando por debaixo da palma, um troço de ferro já a pesar bem meio quilo, e ele sorria sem os dentes da frente (arrancados por guardarem também uma pérola) calculando o valor que teria quando perdesse a mão.
No fundo, tocava a música que acordei ecoando, perdido do toque de Odara, naquele país de areia e escuridão.