terça-feira, 12 de outubro de 2021

O que está embaixo

Nadar no mar é muito diferente de nadar numa piscina de clube. Mais leve de boiar, só que eu não sinto isso, e se me perguntarem medidas físicas vou responder: mais pesada a água isso sim, mais pesadas as braçadas.

Mas isso é muito técnico, digamos que a água da piscina fosse pesada. E que às vezes tivesse algas, e quando chove, folhas da rua pra não dizer saco plástico e lixo, espuma escura e aí nem entro. E às vezes fria que dói e basta um mergulho para sair revigorado pulsando e amar a areia, digo, a borda.
Não, a diferença é, literalmente, muito mais profunda. Que aparece na superfície como aquelas ondas malignas que podem te matar, e toda a disputa infernal para atravessar a arrebentação, um cachote que te pega de rasteira, a massa espuma que te cobre a cabeça (e depois horas depois saindo água pelo nariz quando vira de ponta-cabeça). O mar é uma força viva descomunal, e entrar e sair dele é toda uma arte de perigo e contato com o indizível. Eu mesmo passei a caminhar mais pra nadar numa parte mais calma, depois de um ou outro sufoco.
Mesmo assim, já dentro, atravessadas as ondas, já tendo aceito que a saída vai ser uma luta, aí sim é que desponta a diferença do mar. Pois é que, por definição, o fundo está cheio de simplesmente tudo. O escuro do fundo, que não vemos, se estende, indefinidamente, até o horizonte se perder em mil céus de tempestades e outras terras, e no caminho, baleias e arraias, tubarões e águas-vivas, e também, transatlânticos e submarinos, e também
E também fossas abissais, polvos e lulas gigantes, e mais no fundo, o escuro sem nome, e mais além, e mais e mais...
A milhares de metros de profundidade, como uma espaçonave e suas sondas, sabemos tão pouco e que seres são aqueles? Milenares, cegos, comunicando-se por ondas, sob uma pressão estúpida. Que imenso minuto não vigora em suas consciências ultrassubmarinas, sem o céu ou a sombra dele, absolutamente independentes dos astros, e em contato com as aberturas infinitas do próprio chão, com seus vapôres e o que está ainda além, adentro. Não serão eles sábios como os alienígenas intergalácticos que às vezes imaginamos?
Pois se estamos descrentes do que está atrás do céu, e descartamos os "jalequinhos" com suas lunetas... Se queremos voltar à superfície do céu, como sua existência verdadeira, sem projetar nele outros mundos, e assumindo os astros pelo seu pêso real em mim, desenhos imortais na noite dos meus olhos; então o chão que meus pés pisam, sua infinidade de profundezas inacessadas, cavernas e mistérios, minérios perdidos, escavações, não é ele a última fronteira para o desconhecido? O que está embaixo? Não seria o solo o novo espaço sideral: o do profundo, do ilimitado solo em seus níveis e vermes? De volta ao terremoto e ao vulcão, de volta a gêiseres e menires incrustados, de volta às fossas do mar-oceano.
O mar, o mar e o mar, e o sal