quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Mendo Rato

Essa semana passei numa casa – olha, a casa tinha rato. Ratos, era mais de um: que apariciam de-noite, pra nos visitar.
Pois do começo: mal távamos chegados, de mala e mochila e o gôstoso da novidade; nos espraiamos na sala e sofás, lareira, discos tocando; alguém foi na cozinha e viu, um rabinho s’escondendo, e gritou:

- ai! um rato!!!

Nem posso começar que foi-se a casa toda em polvorosa. Mininas tudas sem-jeito, de enfrentar a tradição, serem-se mais, digamos, imperiosas, e travarem batalha: que batalha? Então estou eu, de vassoura na mão, conduzindo os trabalhos...

Eram dois ratos; quase um videogaim de expulsar, prateleira por prateleira, com o cabo da vassora. Até s’excapulirem pela porta. A despensa um caso sério...

Lavamos todos potes e, limpamos tanto da sua caquinha de roedor: qu’eles fizeram buraco no saco de farinha e c’os dentinhos só um rasguinho pra dar de comer na porcalhada, digo, rataria mesmo. Bicho desgraçado. Eu no lave-lave, ispiando indícios da civilização inimiga. Onde serão os buraco de entrar? Quando-

- Ai! o rato taqui!!!

Não é que o folgado foi passiar na sala? bem por debaixo de pé de gente, o danado? sem-vergonha... Essa noite termina conosco à varanda, já meio-rindo quando - ai! - mas que diacho... o diabinho tentava cruzar a porta. Expulso. Dormir. E é proibido sonhar com rato.

Dia siguinte então, o Estado-Maior delibera o plano de ação. Simone, mestra-cozinheira, advoga ratoeiras: que cumprem logo o seu serviço. Os pais da moça compram um saco de saquinhos, de venenno barato, rosinha, qui demora quatro dias a matar. Parece uma ração. Eu cá dimirando, quem lhe mata a paulada. E a môça quer tapar os buracos, com jornal, os tantos furinhos pr'ele nem chegar...

Cai a noite. Pratinhos de veneno sirvidos aos nossos convidados. Eu insisto na ratoeira. Não gosto de não-ver o que acontece. Porque quando tamos no sofá, as meninas veem o pobrezinho roendo a pílula da sua morte. Será que mata mesmo? ratinho pequeno do campo, que não toca em esgoto, ô peludinho fofinho (mas qu'ele fura a casa e reproduz cagando e comendo tuda nossa bóia).

Quando depois ele carrega sua pedrinha apetitosa, com patinhas-dedinhos (roedor, roedor; um coelho, capivara! dentuço!) mas o furo na porta, sua saída, a gente tapou! ele revela nada menos que um furo no chão! Por onde vai mergulhar. Mas não consegue fazê-lo sem deixar para trás a comida... Vemos então essa cena, simpática: o rato mergulha no furo, a pedrinha rosa fica. E do furo aparece um narigãozinho cheirando, e olhinho espiando, a mãozinha tentando puxar... E nós rindo, algo enternecidos - e confusos! do assassínio a prazo, do bichinho trapalhão, peludo, sem medo...

Por isso tudo eu insisti na ratoeira. Não vem com essa de crueldade, crueldade é matar! Então matemos vendo, sem si enganar do que fazemos. é coisa séria! eu pensava, i daí, me cortei armando a ratoeira... me cortei na própria lâmina, que deveria matá-lo... se já não matou algum! Cortei o dedão naqueles dentes de aço e, muito emaconhado – depois de instalar como isca meia uva passa – que eu mesmo mordi metade e saboreei o gosto que ele viria a provar – antes de ser vítima da mola – igual meu dedão que sangrou! – percebi estar entrando num devir-rato e os campos de extermínio das raças...

Acabou que, afugentando um rato (nunca sabíamos quantos eram...) ele caiu na ratueira, ficou ali pulsando. A gente comentou que tava matado, igual envenenado, mas de maneira analógica. À velha moda. Sem mistério, e de manhã a empregada se livrou do corpo. Já deu de rato. Me demito.

Uma semana depois, fosse veneno ou se não (que morte ele dava? e se eu comesse, enganado?) eles pararam de vir.

Resta saber se não vêm, na nossa ausência...

*

O pai da moça havia sido contra a ratoeira. Vendo TV, dirigindo carro, fumando maconha e se empanturrando nas delícias, fim de semana tranquião... achava muito bem o tal veneno. Não viu nenhum rato, nem quis ver eles comendo, entrando no furo, “sendo espantados” da cozinha com a vassoura... Não, não quis ver nada, e comprou sacos de veneno; mas ratoeira? barbaridade!

Então na quermesse que houve, a môça teve ideia, diabrura: e comprou um ratinho dêsses de dar corta. Pra assustar os velhos, e tava o pai vendo olimpíada, a mãe sonolenta ao lado... Soltamos o rato – ha! Johanna deu um grito bem convincente:

- ai! um rato!!!

e caímos na gargalhada.
hahahahhaha

(dedicado ao pepê, pelo final)

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Albarrato André Aracnídeo